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São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2003

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Palocci afirma que "ou você tem um Banco Central para combater a inflação ou um BC político"

Lula reclama dos juros e descarta bravata

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a demonstrar forte desconforto com os juros elevados, durante conversas que manteve com seus companheiros de vôo de São Paulo para Genebra, de sexta-feira para sábado.
Desconforto tão grande que Jaques Wagner, ministro do Trabalho e um dos que estavam no vôo, não se preocupou ontem em pedir a reserva de seu nome ("off the records", no jargão jornalístico) para resgatar a velha metáfora de que a economia brasileira estava na UTI quando o PT assumiu e, a partir dela, afirmar:
"Há uma junta médica e uma junta política. Se a junta médica quiser estender o tratamento [os juros altos], pode entrar em choque com a junta política".
Em geral, as lideranças petistas e/ou do governo são cautelosas ao falar de juros, exatamente para preservar a imagem de que o Banco Central é independente e não toma decisões motivadas por pressão política.
O ministro do Trabalho rompeu essa praxe, ao conversar com os jornalistas que acompanham a viagem do presidente à Suíça, no jardim da residência do embaixador em Genebra.
Deu claramente a entender que há um prazo de prudência, além do qual o "tratamento" causará um desgaste político que o governo não estaria mais disposto a suportar.
"O nosso compromisso é com desenvolvimento e geração de emprego. Se não botar a economia para crescer, vamos frustrar aquilo que é mais importante no compromisso dele (do presidente). O compromisso dele não foi só o de organizar a economia. Para mim, organizar a economia é ferramenta. Não é objetivo", afirmou o ministro.
Mesmo um dos deputados que compõem hoje a tropa de choque do PT no Congresso, o paraense Paulo Rocha, reconheceu que a pressão política é cada vez mais forte.
"Se entrarmos no segundo semestre [com os juros altos], pode gerar alguma inquietude [política]", disse, enquanto esperava Lula chegar à sede da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
O segundo semestre começa dentro de menos de um mês. Significa que há apenas mais uma reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) para baixar eventualmente os juros antes do prazo antevisto por Paulo Rocha.
O próprio Lula reconheceria depois, em improvisada entrevista à porta da residência do embaixador, que conversa sobre juros "todo dia".

Bravata
Mas, fiel à idéia de que não pode passar a imagem de que está pressionando o BC, afirmou: "Todos nós no Brasil entendemos que é preciso baixar os juros, mas você não faz isso com bravata. Faz com passos bem dados no momento certo".
Depois engatou um rasgado elogio ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, sobre o qual caem as pressões para a queda dos juros. "Eu tenho um ministro da Fazenda em quem confio plenamente. É meu companheiro de muitos e muitos anos. Muitas vezes tem mais bom senso até do que eu, é mais equilibrado do que eu".
O presidente repetiu depois, literalmente, o que dissera na sua primeira entrevista a jornalistas brasileiros no Brasil, na semana passada: a queixa sobre os juros mais elevados ainda para cheque especial, cartão de crédito e capital de giro.
Repetiu mais uma vez que "nenhum país do mundo consegue se desenvolver se as taxas de juros oferecidas pelo sistema financeiro ou pelo próprio governo são maiores do que a taxa de lucro advinda da produção. Como nós queremos que a produção seja a razão de ser do nosso país, vamos trabalhar para isso".

Palocci e pressão política
O ministro Palocci, por sua vez, já se antecipou à pressão política, ao dizer que "o Banco Central não pode funcionar com critérios de avaliação político-partidários. Ou você tem um BC para combater a inflação ou um BC político".
Palocci negou-se a antecipar qualquer prazo para a redução dos juros e contraditou os que, como Jacques Wagner, mencionam a necessidade urgente de crescimento. "Todos querem crescimento, principalmente o governo. O mundo todo quer crescimento, mas é preciso encarar isso como um desafio, não como um Fla-Flu."
Mas, no sábado, o ministro havia admitido que o presidente fala, sim, sobre a taxa de juros, embora não tenha especificado se a conversa fora a bordo do avião que trouxera a comitiva de Brasília.
Segundo Palocci, a cobrança não é apenas sobre os juros para os títulos do governo (que balizam os demais) mas também sobre os juros de mercado e sobre o "spread" bancário elevadíssimo (a diferença entre o que um banco cobra para emprestar dinheiro e o que paga aos que nele aplicam).


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