São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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Pela primeira vez, Brasil tem voz ativa no G8

A partir de quarta-feira, na Alemanha, país falará sobre a produção de álcool, tema em que é mundialmente reconhecido

Assunto principal da cúpula será a busca por fontes de energia que sejam menos prejudiciais ao ambiente e venham de países seguros

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Pela primeira vez nos 31 anos de história do G7 (transformado em G8 a partir de 1998), o Brasil não é um ausente ou mero convidado de pedra, que nada tem a dizer sobre o tema principal.
A partir do dia 6, em Heiligendamm, pequeno balneário alemão no Báltico, sede do G8 de 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá falar -e ser ouvido com interesse- sobre biocombustíveis, na medida em que o assunto principal da cúpula passou a ser a busca por fontes de energia que sejam menos prejudiciais ao ambiente e, ao mesmo tempo, provenham de fornecedores seguros.
O Brasil não faz parte do G8, composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia. Mas Lula foi convidado a participar na forma que a imaginativa retórica diplomática batizou de G8+5 (os cinco são, além do Brasil, a China, o México, a Índia e a África do Sul).
Qual a diferença entre as 31 cúpulas anteriores e a de Heiligendamm? Simples: antes, os temas passavam a anos-luz da possibilidade de interferência do Brasil. Tratava-se, acima de tudo, de discutir como ajeitar a economia mundial de acordo com os humores e interesses dos sete grandes. A incorporação da Rússia não mudou quase nada o espírito do grupo, tanto que os russos, nos primeiros anos após a sua entrada, ficaram confinados ao dia final, quando já estava encerrado o debate de temas econômicos.
Mesmo neste ano, o projeto inicial da Alemanha, presidente de turno do G8, previa debater a transparência dos mercados financeiros mundiais, a redução dos desequilíbrios macroeconômicos, a liberdade de investimento e as conseqüências sociais da globalização.
O que mudou tudo foi o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que prevê uma catástrofe global se não forem adotadas medidas urgentes para combater o chamado efeito estufa, os gases que causam o aquecimento global.
A mudança de agenda foi honestamente admitida por Bernd Pfaffenbach, o "sherpa" alemão, em entrevista recente ao jornal britânico "Financial Times" ("sherpa" é a palavra que se usa em cúpulas globais para designar os funcionários que fazem o trabalho preparatório, como os guias que conduzem os alpinistas no Himalaia).
"Os líderes não podem falar durante um dia e meio apenas sobre como alcançar um crescimento econômico mais equilibrado. Energia e mudança climática são tão importantes quanto a economia", afirmou.
O Brasil não tem peso para reequilibrar a economia mundial, como é óbvio. Mas, em matéria de combate ao aquecimento global, pode, sim, falar daquilo em que é especialista mundialmente reconhecido: a produção de álcool, combustível limpo e que não procede, ao menos por enquanto, de países sujeitos a tormentas políticas, como a Venezuela e os países árabes, grandes fornecedores de petróleo. Ou mesmo a Rússia, cujo gás tem sido usado para o que a União Européia considera uma chantagem.
Desta vez, ao contrário do que vinha sendo a norma até recentemente, o Brasil não é o vilão em matéria ambiental. Claro que ainda há críticas ao desmatamento da Amazônia, claro que há vários especialistas que começam a questionar o álcool como combustível quase milagroso e limpo.
Mas as críticas e suspeitas sobre o álcool, ao menos o brasileiro, vindo da cana-de-açúcar, dizem respeito a um suposto futuro em que a cultura para produzir o combustível deslocaria a plantação de alimentos e aumentaria o desmatamento. São mais palpáveis os benefícios imediatos, ante a urgência colocada ao planeta pelo relatório sobre mudança climática.
Tanto que o presidente norte-americano George Walker Bush já assinou com o Brasil um memorando de entendimento em torno do álcool, e a União Européia convidou Lula para falar sobre biocombustíveis em conferência especial no dia 6 de julho, em Bruxelas.
Por isso, o chanceler Celso Amorim anuncia "uma posição muito combativa, não defensiva" durante o G8, no qual Lula intervirá apenas no último dia.
Até sobre a Amazônia o Brasil agora sai da defesa para, segundo Amorim, vender a tese de que "a Amazônia será uma grande vítima da mudança climática, correndo o risco de virar uma savana em 70 anos".
Tudo somado, o presidente Lula estará à vontade para dizer que os biocombustíveis são uma importante contribuição para mudar o padrão de consumo energético, reduzindo os elementos mais poluidores.


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