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OPINIÃO ECONÔMICA
A batalha apenas começou
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Se dependesse só de mim e
dos meus impulsos obsessivos,
escreveria hoje sobre a Alca outra
vez. A verdade é que, desde a última quinta-feira, fiquei mais ou
menos por conta desse assunto.
Por conta mesmo, e não só padecendo subjetivamente.
Não quero, porém, perder os leitores que tenho. Ainda mais depois que o Elio Gaspari me disse
que os brasileiros farão tudo contra ou pela Alca -menos ler sobre ela.
Mas não posso reclamar dos leitores, antes o contrário. Outro dia
aconteceu-me um episódio singular. Estava com os meus papéis
num bar na Oscar Freire, quando
uma senhora que passava na rua
me viu e veio falar comigo. Apertou a minha mão e disse-me, gentil e discreta, que gostava muito
do meu trabalho e sempre dizia
ao marido, um professor aposentado da Politécnica: "Esse poderia
ser nosso filho".
Fiquei comovido. Não é todo
dia que um sujeito, ainda mais
economista, recebe um elogio desses! A senhora ainda disse (e a
tristeza transparecia): "Nós não
tivemos filhos", e retirou-se rapidamente antes que eu pudesse esboçar uma reação condigna. Não
fiquei sabendo o seu nome nem
pude agradecer direito.
Esses pequenos episódios provocam, às vezes, um impacto difícil
de descrever. Mas basta talvez dizer que fui casado dez anos e também não tive filhos. Criou-se assim imediatamente um laço imaterial entre aquela leitora e eu.
Espero que ela esteja me lendo
hoje. Tenho mãe, e muito boa,
mas ninguém, em sã consciência,
dispensa uma mãe adicional.
Mas eu queria falar um pouco
dos seis primeiros meses do governo Lula. Reina uma certa perplexidade, no Brasil e, mais ainda,
no exterior. A correspondente de
um jornal argentino me dizia ontem: "Na Argentina, ninguém sabe realmente o que pensar do novo governo brasileiro; as referências se perderam".
Ultimamente tenho me lembrado muito daquela frase do Tom
Jobim: "O Brasil não é para principiantes". Mesmo o brasileiro escolado por décadas de Brasil fica,
volta e meia, espantado com as
reviravoltas que por aqui acontecem.
Entre o primeiro e o segundo
turnos da eleição presidencial, estive em Washington para um debate com investidores sobre as
perspectivas do Brasil. O clima
era de pânico em relação a Lula e
ao PT. Disse-lhes: "Lula não é um
lobo em pele de cordeiro". Pelo
tom dos debates que se seguiram,
tive a impressão de que ninguém
acreditou.
Na ocasião, acrescentei que não
chegaria a dizer de Lula o que
Winston Churchill disse certa vez
a respeito do seu adversário político Clement Attlee, líder do Partido Trabalhista. Attlee estava
prestes a chegar ao poder e fazia
todos os ruídos tranquilizadores.
Mesmo assim, muitos setores do
establishment britânico proclamavam, alarmados: "É um lobo
em pele de cordeiro!". Nada disso,
comentou Churchill, "é um cordeiro em pele de cordeiro".
Hoje, depois de seis meses de governo, já não sei mais, sinceramente, se o comentário de Churchill não se aplica ao nosso Lula.
Cordeiro em pele de cordeiro!
Digito a frase e já me vem uma
hesitação. Um semestre não é nada, afinal. Quem sabe o presidente não se recupera ainda?
Depende um pouco de cada um
de nós. Por exemplo: do nível de
pressão que o governo receber dos
brasileiros que querem a mudança e expressaram essa exigência
nos últimos anos, inclusive nas
eleições de 2002.
É intrigante a relação do establishment e dos meios conservadores com o governo Lula. Por um
lado, elogiam (aliviados) a conversão dos novos governantes à
ortodoxia econômica. Nos cantos
mais improváveis do país, aparecem "neopetistas" dos mais variados e inesperados perfis. Recentemente, depois da duvidosa visita
de Lula a Washington, esses setores comemoram ruidosamente a
sua suposta capitulação à Alca
(repare, leitor, que a Alca acabou
entrando um pouco no artigo no
fim das contas).
Por outro lado, muitos "neopetistas" fazem questão de desgastar o governo Lula, apontando insistentemente as suas incoerências, o seu oportunismo e a infidelidade a seu programa econômico
e às promessas eleitorais. Alcançam, assim, vários objetivos ao
mesmo tempo. Desgastam um governo que não é, afinal, o governo
dos sonhos dos donos do poder.
Desmobilizam a sociedade, espalhando a sensação de que a luta
acabou, que o governo se entregou etc. E, de quebra, desmoralizam o ideário da mudança econômica e social.
Se o governo Lula for definitivamente domesticado, o pensamento crítico e as forças que lutam pela transformação e autonomia do
país correm um risco que não pode ser desprezado: o de passarem
a ser vistos como sonhadores do
impossível, quixotes incuráveis,
vendedores de ilusões, que, por
burrice, teimosia ou romantismo,
não enxergam a inevitabilidade
do caminho "único".
A esses temos que responder como aquele comandante naval
que, em célebre episódio da guerra de Independência dos EUA,
reagiu nos seguintes termos a
uma exigência de rendição dos
ingleses:
"The battle has just begun".
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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