UOL


São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A maldição latino-americana

A américa Latina não é mais a mesma. Anteontem, o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, criticou a decisão da Argentina de restringir o livre fluxo do chamado "capital andorinha", de curto prazo. "Os controles de capital não são boas políticas, pois desestimulam o ingresso de fundos e bens de capital que são fundamentais para o funcionamento de uma economia", disse Snow. Segundo a correspondente da Folha em Buenos Aires, Elaine Cotta, a resposta do ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, foi que "não existe relação entre investimento de curto prazo e crescimento econômico".
É óbvio que capital de curto prazo, em regime de liberdade cambial total, tem características conflitantes com o capital de investimento, por expor o câmbio a uma volatilidade disfuncional que espanta o capital bom. É óbvio e está comprovado na quebra da Argentina e do Brasil.
A economia é uma realidade bem menos complexa do que outras formas de conhecimento e bem menos exata também. Por traz das complexidades matemáticas, existem correlações, relações causais, que necessitam obedecer a uma lógica. Mas, quando se mostra didaticamente o modelo, as relações entre os fatores de forma simples, sem muita complexidade, e se conclui por A + B que é inviável a atração de investimentos com o câmbio desfavorável e a economia exposta a capitais de curto prazo, o interlocutor olha e conclui: "É muito simples para ser verdade".
Essa é a maldição do subdesenvolvimento. Foi preciso a Argentina quebrar para aceitar o óbvio. Nem quebrando duas vezes o Brasil o descobriu.
O próprio Fundo começa a ensaiar um mea culpa em relação à Argentina, depois de o país ter amargado a pior crise da sua história. E, também, que sai relatório do BIS -o banco central dos bancos centrais- que identifica a vulnerabilidade externa brasileira como o maior constrangimento aos investimentos no país.
Em 2002, a dívida externa brasileira representava 395% das exportações, uma das proporções mais altas entre os mercados emergentes, superada apenas pela Argentina. "Uma economia com a conta de capital aberta é, se tudo o mais for igual, mais vulnerável quanto maior for a proporção de sua dívida denominada em moeda estrangeira e menor a sua receita de exportações", diz o BIS.
Ou seja, o modelo de livre fluxo de capitais e de apreciação do câmbio, preconizado pelo BC de Gustavo Loyola e Gustavo Franco, mantido pelo BC de Henrique Meirelles, com a intenção explícita de criar um clima propício ao investimento, criou uma vulnerabilidade que afastou o investimento e, de novo, está plantando as sementes para uma nova crise cambial em um ponto qualquer do futuro.
Diz reportagem do caderno Dinheiro de terça, em cima do relatório do BIS: "Mesmo se boa parte da dívida externa for privada, segundo o banco, o seu tamanho é importante para a sustentabilidade da dívida pública, porque as dificuldades com o serviço desse débito podem afetar a taxa de câmbio e os custos de financiamento do governo".
Chamem o português da padaria, para ver se traz de volta o bom senso ao BC.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Opinião econômica: A batalha apenas começou
Próximo Texto: Curto-circuito: Dívida da Light dá um novo "choque elétrico" em Lessa
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.