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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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"País ainda não está fora de perigo"

DE WASHINGTON

Leia a seguir a entrevista que Edwin Truman, ex-secretário-assistente do Tesouro dos EUA, concedeu à Folha na sexta-feira em Washington.
 
Folha - Qual a extensão dos problemas que o aumento nas taxas de juro de longo prazo nos EUA causa para o Brasil?
Edwin Truman -
Isso depende principalmente das razões que estão empurrando para cima as taxas de juros. Há dois cenários distintos. Se o juro estiver subindo pelo fato de a economia americana estar se recuperando mais rapidamente, com um crescimento não de 2%, mas de 4% ao ano no final de 2004, isso será positivo, mais à frente, para o Brasil.
Mas, se o juro estiver subindo apenas pelo fato de o déficit do Tesouro americano estar crescendo muito rapidamente, pressionando as taxas, o Brasil não vai ter nenhum benefício, só os prejuízos desse movimento.

Folha - Em qual cenário o sr. acredita mais?
Truman -
O primeiro cenário me parece mais factível. A economia americana de fato está aquecendo, e o Brasil, embora vá perder recursos de investidores no mercado, tende a ser compensado depois por poder exportar mais para os EUA.
É preciso levar em conta também que, embora as taxas de juro de títulos americanos de longo prazo estejam subindo, a remuneração no curto prazo nos EUA ainda continua em um nível muito baixo se comparada ao que o Brasil continua pagando.
Mesmo assim, já estamos assistindo a uma mudança nos portifólios, especialmente diante da expectativa de recuperação também no mercado acionário americano. Os chamados investidores globais começam a ficar menos interessados nos mercados emergentes.
E o fato é que temos estado já há algum tempo em um ambiente de taxas de juros de curto prazo extremamente baixas nos EUA. Mercados emergentes como o Brasil vinham se beneficiando à medida que os investidores estavam procurando lucros em outras aplicações fora daqui. Isso ocorreu em boa medida ao longo dos últimos seis meses.
A partir do momento em que a rentabilidade de alguns ativos -títulos do governo e ações, principalmente- voltar a ter uma tendência de alta nos EUA e em outros países industrializados, a atratividade do Brasil tende a diminuir.

Folha - Esse movimento explicaria a desvalorização do real nos últimos dias?
Truman -
O real passou, digamos, por uma bela trajetória nos últimos meses. Agora o câmbio está voltando à faixa de R$ 3,00 por dólar, o que é compatível com o movimento das taxas de juro e com as discussões no Brasil sobre se a moeda estava ou não entrando em uma zona de valorização exagerada. É preciso levar em conta também que o dólar vem se valorizando em relação a todas as outras moedas.

Folha - Esse novo movimento nos EUA complica as coisas tendo em vista a intenção brasileira de reduzir a taxa de juros?
Truman -
Talvez. A inflação e as expectativas em relação aos índices futuros estão caindo, o que oferece algum fôlego ao Banco Central para continuar reduzindo o juro. Mas o Brasil precisará ser muito cuidadoso. Três elementos principais precisam ser levados em conta nesta decisão: o que está acontecendo com a economia dos EUA, o acompanhamento da inflação, e a evolução do processo político no Brasil.
Haverá votações importantes em breve em relação às reformas e, se elas forem no caminho certo, as coisas ficarão bem melhores.
O fato é que o Brasil vem fazendo a coisa certa em termos macroeconômicos e dizendo a coisa certa na questão das reformas. Mas isso ainda não foi colocado à prova. As reformas não foram votadas, e a grande questão a ser respondida é se, no final, o governo Lula vai conseguir aprová-las ou não. Se conseguir, as coisas ficarão bem. Se não, haverá um sinal e movimentos muito negativos.

Folha - O governo brasileiro diz que ainda está pensando a respeito. Na sua opinião, o Brasil deveria fechar um novo acordo com o FMI este ano?
Truman -
Essa é uma decisão que o governo Lula precisa tomar. O Brasil ainda não está fora de perigo e, por isso, terá de continuar perseguindo políticas fiscais e monetárias prudentes. A questão é se deve continuar fazendo isso com ou sem o apoio do FMI. Mas as políticas básicas devem continuar as mesmas se o país quiser ir em frente.
Mesmo que não feche um novo acordo, o país não poderá, por exemplo, baixar o superávit primário dos 4,25% do PIB de hoje para 2,5%. Se fizer isso, certamente haverá uma crise.
Um novo acordo com o Fundo deixaria as coisas mais fáceis, mas reconheço que se trata também de uma decisão política a ser tomada. O fato é que o Brasil terá de continuar com a mesma política, fazendo a coisa certa pelo fato de ser a coisa certa, e não apenas porque o FMI mandou agir dessa maneira.



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