São Paulo, Terça-feira, 03 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Vai custar mais caro

BENJAMIN STEINBRUCH

O nosso Brasil é um país realmente muito interessante! Fui viajar na última terça-feira para trazer de volta as crianças, que estavam de férias. Viagem curta, sem muitas preocupações. Pensei que seria como em tantas outras em que, na volta, a gente se pergunta por que não ficou mais um pouco, já que nada mudou, tudo continua como antes. Mas não. Lendo os jornais de domingo, quando cheguei, parecia que tudo tinha mudado. Tivemos uma greve geral de caminhoneiros, que, para muitos, deu a impressão de um sonho, algo irreal, que ameaçou o abastecimento, o direito de ir e vir, o cotidiano da vida do brasileiro, como se a materialização de um pesadelo fosse coisa impossível de acontecer aqui em nossa terra.
Não quero discutir aqui a legitimidade da greve. Se foi previamente programada ou não, necessária ou não, justa ou injusta. Mas quero refletir sobre o susto que ela causou. Parecia que estávamos querendo esquecer o Brasil real, aquele que acorda, trabalha e dorme independentemente do dia-a-dia de Brasília. A verdade maior é que temos muitos problemas para resolver que devem ser encarados de frente, o quanto antes, para evitar surpresas e aliviar desconfortos que estão ocorrendo de maneira intensa, tempo após tempo. Desconfortos esses que são conhecidos de todos e para os quais há soluções que estão sendo postergadas de maneira perigosa para o país.
É claro que interessa a todos nós a busca de sintonia dos Poderes Públicos e das lideranças políticas. Assim acompanhamos a troca de ministros, a acomodação política, a justa ampliação da base de sustentação do governo, o reforço das alianças que foram formadas.
Mais importante do que isso, no entanto, o que interessa mesmo é a materialização do plano de governo, que ressalte e defenda os caminhos para onde vamos com o país.
A economia, do ponto de vista interno, está bem mais equilibrada, com um time afinado e motivado, fazendo as coisas acontecerem para o lado melhor. A troca de ministros foi positiva, aliando mais esforços e reforçando a liderança do presidente sobre sua equipe. A tese do desenvolvimento foi relançada, fazendo com que todos acreditem que, desta vez, é para valer e que caminhamos para o fortalecimento dos grupos brasileiros, a preservação do mercado interno, a busca do mercado externo, a criação de empregos e suas consequências positivas na economia do nosso país.
Mas, e os nossos velhos problemas, como enfrentá-los? Tomara Deus que não precisemos de governo autoritário para resolver o problema da Previdência, como fez o Chile, nem governo sem dinheiro para pagar os aposentados, como fez a Argentina. Como vamos resolver nosso problema previdenciário, que é um dos maiores que temos no curto prazo? Vamos deixar ficar o pior possível para, só depois, fazer aquilo que todos sabem que é necessário fazer e terá que ser feito de um jeito ou de outro? Vamos deixar chegar o dia em que, exaurido todo o patrimônio da nação, teremos que nos colocar de frente para os nossos mais velhos -aqueles que merecem descanso por ter trabalhado, estar em dia com seus impostos e contribuições- , que precisam da aposentadoria para viver, e dizer a eles que não poderemos pagar porque não temos dinheiro? E não temos recursos por não termos tomado a tempo as decisões que deveríamos ter tomado antes? E as questões das reformas tributária e administrativa, como ficam? Outro imenso problema que nós temos é uma enorme massa de gente sem tudo. São os sem-terra, os sem-emprego, os sem-casa, os sem-saúde, os sem-educação. São os sem-cidadania e, por isso, sem-esperança. O que fazer com eles? O movimento dos sem-terra é uma realidade conhecida de todos nós. Querem ter a chance de fincar raízes e produzir. Eles têm aumentado muito em mobilizações. Será que não é agora a hora de construir com calma uma solução conjunta, de longo prazo, que tenha o conforto das partes? A busca da posse legal de uma propriedade não é o começo do respeito à propriedade dos outros? O presidente sabe que os desafios estão lançados. Eles são muitos e bastante difíceis de ser alcançados. Ele sabe também que terá o apoio da sociedade brasileira, de todos os quadrantes e de todas as classes, na caminhada. Não lhe faltarão manifestações para reforçar a sua coragem e ampliar o apoio para tudo o que precisar. É hora de fazer.
Por fim, gostaria de falar, mais uma vez, sobre o trabalho e a produção. Em um país continental, como o nosso, a palavra de ordem deve ser trabalho. Na medida em que o brasileiro tenha trabalho, ele amplia a sua chance de ter educação, saúde, profissão, família, esperança e cidadania.
Nada mais justo, para um ser humano, do que ter a possibilidade de produzir para si, para sua família, para seu país. Isso deveria ser um direito e o começo de tudo, para todos. Por meio da criação de mais empregos, do aumento da produção, da volta do desenvolvimento, devemos conseguir o começo do fim dos desconfortos que ameaçam nosso país. Quanto mais tempo demorar, mais caro pode custar.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce. E-mail: bvictoria@psi.com.br

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