São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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LUÍS NASSIF

A reestruturação do Ipen

A maneira como o Ipen (Instituto de Pesquisas Energética e Nucleares) se reestruturou, depois de o governo Collor ter acabado com o programa nuclear brasileiro, é um exemplo a ser seguido por outros institutos de pesquisa.
Depois de ter perdido seu cliente maior, em 1994, o Ipen deu início ao seu novo planejamento, que definiu que deveria ser um instituto multifocado, atendendo às demandas atuais e futuras do mercado. E aí o Ipen se diferenciou fundamentalmente dos demais institutos de pesquisa, pois passou a buscar o mercado e a trabalhar em torno de indicadores de desempenho, dentro do compromisso -ou missão- de "melhorar a qualidade de vida da população brasileira".
Foi feita uma reestruturação interna que o dividiu em dez unidades de pesquisa, cada qual trabalhando com benchmarking internacional. Foram adotadas práticas de gestão tomando como referência a FNPQ (Fundação Prêmio Nacional de Qualidade) e treinados agentes multiplicadores da qualidade total.
Definiu-se que a área médica seria um dos pólos de produção. E o Ipen se preparou como se fosse um laboratório farmacêutico de vanguarda, inclusive certificado pela ISO 9002.
Passou a produzir radiofármacos para diagnóstico e tratamento de câncer. Como são produtos de alta perecebilidade (perdem 50% da potência a cada duas horas), o Ipen teve que se preparar para trabalhar just-in-time. Os funcionários entram às 4h, produzem o material até as 7h para ser entregue a dezenas de caminhões que distribuem por todo o país, parte dele podendo ser utilizado até uma hora e meia depois.
Hoje em dia, o leque de clientes inclui 268 clínicas e hospitais. Em 2002, serão 2 milhões de pessoas tratadas com seus produtos, incluindo fármacos de última geração que permitem diagnosticar o câncer bem no seu início, reduzindo o sofrimento dos pacientes e os custos do SUS.
Em 2001, a produção de material para diagnóstico e terapia respondeu por US$ 10 milhões do faturamento do Ipen. Nos EUA esse mercado alcança US$ 1 bilhão anuais, US$ 800 milhões para diagnósticos e US$ 200 milhões para terapia. Seu crescimento vegetativo tem sido de no mínimo 10% ao ano. Se se soltam as amarras do Ipen, ele teria condições de disparar e disputar o mercado da América Latina.
Trata-se de um caso claro de valioso ativo brasileiro que poderia ser muito mais bem aproveitado se se pensar na política pública adequada.
Por exemplo, hoje em dia, o Ipen recebe do governo federal verbas de R$ 24,3 milhões. Com elas, paga todas as suas despesas operacionais, excetuando pessoal e benefícios. No último ano, sua receita foi de R$ 21 milhões, provenientes da venda de produtos e serviços.
A (i)lógica do modelo público brasileiro é que o Ipen devolve o seu faturamento ao governo e fica aguardando as novas verbas, que muitas vezes são contingenciadas.
Primeiro ponto relevante de política pública seria pensar um novo formato jurídico não só para o Ipen, como para outros institutos.
O segundo ponto é traçar uma política de saúde que permita aproveitar melhor a competência desenvolvida na área. O samário 153 produzido pelo Ipen, por exemplo, é a única alternativa nacional para tratamento de dor em metástase óssea. Já o flúor é um radioisótopo cuja atividade cai pela metade a cada duas horas. É o mais moderno medicamento para diagnósticos precoces em câncer e recedivas.
Só que há a necessidade de vários centros produtores de flúor, por conta da perda de eficácia depois que é produzido. Para haver demanda há a necessidade de laboratórios médicos com equipamento de imagem por todo o país, médicos treinados. Só o serviço público conseguiria montar essa estrutura, por meio do SUS.
Seria enorme a economia com a redução de tratamentos. Mas o ganho maior seria a cura e a melhoria das condições de vida dos pacientes.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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