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OPINIÃO ECONÔMICA
Argentina: a maior derrota do ultraliberalismo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O novo presidente da Argentina decretou, na cerimônia
de sua posse, o fim da experiência
neoliberal dos últimos dez anos
no país. Foi aplaudido pelas lideranças políticas mais importantes presentes, inclusive por expressivas vozes da UCR. O partido do ex-presidente De la Rúa,
agora parte de um governo de
coalizão nacional, juntando-se
dessa forma aos peronistas na
crítica do sistema monetário e
cambial que prevaleceu no país
por mais de dez anos. Falta agora
contar ao povo duas histórias:
por que a crítica não foi feita antes da débâcle total e como será
feita a transição.
Para um analista das coisas da
economia e da sociedade, o drama que vive nosso vizinho é um
prato cheio. Tenho a impressão
de que poderia escrever mil colunas sobre os erros destes últimos
dez anos no país do tango e da
milonga. Por isso vou continuar
hoje a dividir com o leitor da Folha algumas das observações que
me vêm à mente neste momento.
Desculpem-me a desordem das
idéias, mas elas fluem aos borbotões toda vez que sento para refletir sobre a experiência da Argentina nesses últimos anos.
Quando começo a escrever tenho
um certo plano organizado na
cabeça, mas ele acaba sendo modificado pela força de meus sentimentos. Revolta, ansiedade,
surpresa e uma certa arrogância
são alguns deles.
Partilho com meu irmão José
Roberto de uma revolta imensa
com os economistas, nossos colegas de profissão, e sua capacidade de levar sociedades inteiras ao
desespero com suas experiências
econômicas irresponsáveis. No final, sempre abandonam o barco
que está indo a pique alegando
falta de vontade política do governo e de espírito de sacrifício
por parte da população. Aliás,
nossa imprensa que defende as
idéias de Cavallo já escolheu esse
caminho para justificar a catástrofe atual. O mentor econômico
da governadora Roseana Sarney,
candidata à Presidência da República, produziu uma pérola ao
dizer que o modelo argentino é
tecnicamente perfeito embora
exija algum sacrifício da sociedade. Nesse sentido, Domingo Cavallo até inovou um pouco ao jogar a culpa de seus infortúnios
nas costas do Brasil. Mesmo aqui
no Brasil temos casos semelhantes a analisar. No Plano Cruzado, em 1986, a sociedade brasileira foi cobaia de uma experiência
de laboratório com resultados
muito ruins. Felizmente do ventre de seu fracasso nasceu o feto
bem-vindo do Plano Real. No
Plano Collor, mais uma vez, fomos vítimas de tentativas extravagantes de políticas de estabilização criadas de improviso. Mesmo o exitoso Plano Real correu
um risco muito grande pela experiência do câmbio fixo e de
uma abertura meio desastrada
de nosso mercado ao comércio
externo. Felizmente, um pequeno grupo de economistas do governo, por meio de uma guerra
de guerrilha contra os ultraliberais que cercavam o presidente,
manteve a proposta desse grupo
sobre pressão e evitou um desastre maior do que a flutuação do
real em janeiro de 1999.
Agora mesmo comemoramos o
primeiro ano em que, no mandato do presidente brasileiro,
nossa balança comercial apresentou um saldo positivo. Os déficits comerciais em 1995 e 1996
foram recebidos à época pelo núcleo duro da equipe econômica
de FHC como o limiar de uma
nova era. A racionalidade e a eficiência se imporiam a uma estrutura vetusta e cartorial de
produção interna financiado pelo nirvana do mercado internacional de capitais. Diferentemente da Argentina, este delírio ultraliberal não passou de um sonho impossível e vivemos hoje
uma situação favorável que, a
fusão do que correto e bom existe
no pensamento da economia de
mercado com a realidade cultural de nossa sociedade, permite.
Certamente, o colapso do peso
valendo um dólar vai representar uma das grandes derrotas do
pensamento ultraliberal nos últimos anos. Depois da crise mexicana em 1995, a experiência argentina passou a ser grande
aposta do que se convencionou
chamar de Consenso de Washington. Com o seu fim, estaremos livres por algum tempo
-pois podem estar certos os leitores que mais alguns anos elas
estarão de volta- dessas idéias
trágicas. Mas corremos agora
um outro perigo aqui na nossa
complicada América Latina: a
volta da irresponsabilidade fiscal
e monetária com também o fechamento das economias nacionais como peças básicas de política Econômica. Em uma região
em que os movimentos políticos
se movem como pêndulos, passando de um extremo ao outro,
essa possibilidade é real. A Argentina pode mergulhar em um
abismo sem fim se isso acontecer
nos próximos meses. No Brasil,
na campanha eleitoral de outubro próximo, vamos enfrentar situação semelhante. O programa
econômico do PT deve ter as cores terríveis se for feita uma leitura errada da crise da Argentina.
A moratória de nossa dívida externa, o fechamento da economia nos moldes do mercado
agrícola europeu e a proibição
das exportações agrícolas são
idéias que já saíram da boca do
candidato Lula. Imaginem agora!
Felizmente, a política econômica do governo FHC vem mudando ao longo dos últimos dois
anos e pode servir como um contraponto importante ao pêndulo
que começa a mover-se novamente. O presidente brasileiro
tem uma capacidade extraordinária de ler os fatos históricos e
isso vai nos ajudar muito neste
momento. Ele vai entender muito bem o que está acontecendo
na Argentina. A menos de um
pesadelo ou outro sobre o que
poderá ter sobre o que poderia
ter acontecido a nós e a ele -caso tivesse seguido até o fim as
idéias de Gustavo Franco, ele vai
continuar no seu caminho de
fortalecimento do setor produtivo e da redução de nossa dependência externa via aumento das
exportações. Seguindo nesse sentido, o Brasil estará dando um
exemplo importante para todos
os paises da América Latina.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES
e ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail: lcmb2@terra.com.br
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