São Paulo, sexta-feira, 04 de janeiro de 2002

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DEPOIS DO 11 DE SETEMBRO

Cantor supera perdas e inicia ano com boas notícias

DIANA B. HENRIQUES
DO "NEW YORK TIMES"

Enquanto Howard W. Lutnick, chairman da Cantor Fitzgerald, se dirigia para a Flórida no final de semana para encerrar o pior ano de sua vida, descobriu, contrariando todas as suas expectativas, que tinha algumas boas notícias a transmitir.
"Eu disse às minhas famílias" -é assim que Lutnick chama, afetuosamente, os sobreviventes dos colegas perdidos em 11 de setembro- "que a Cantor terá lucro no quarto trimestre", contou. Exibindo resquícios de seu antigo estilo, ele acrescentou: "Seremos altamente lucrativos sem modéstia, altamente lucrativos".
A realização teria sido simplesmente um motivo de satisfação para essa corretora de títulos de Wall Street, em um ano normal. Mas "normal" e a Cantor são palavras que se distanciaram muito depois que os ataques terroristas destruíram a sede da empresa, no World Trade Center, matando 658 das 960 pessoas que lá trabalhavam, entre as quais Gary, o irmão de Lutnick. De lá para cá, simplesmente sobreviver teria sido ótima notícia para a Cantor, que prometeu 25% de quaisquer lucros futuros às famílias dos funcionários perdidos.
Em lugar disso, declarou Lutnick, a Cantor terminou o ano de 2001 com lucros suficientes para pagar o primeiro dos dez anos de seguro-saúde prometidos às famílias dos funcionários perdidos, com sobras de caixa a serem distribuídas na metade de fevereiro como primeira prestação do mínimo de US$ 100 mil que foi prometido a cada família.
As contas bancárias do grupo foram mais fáceis de consertar do que o pessoal. Lutnick diz que ele vê cada funcionário sobrevivente como "um milagre". Mesmo assim, houve demissões, já que a empresa fechou algumas divisões menos lucrativas e essas perdas foram mais dolorosas do que de hábito.
Além disso, alguns funcionários não conseguiram voltar ao trabalho depois do 11 de setembro, devido ao trauma emocional que sofreram, diz um executivo. "Sabemos que o maior impacto disso virá dentro de três a seis meses", disse o executivo. "É preciso imaginar onde estarão algumas dessas pessoas quando chegar essa hora."
Mas, embora todos os funcionários ainda tenham de enfrentar o sofrimento de terem perdido centenas de amigos e colegas -um deles, ferido gravemente, morreu alguns dias atrás, renovando o sofrimento-, há quem diga que os dias agora propiciam mais riso, mais otimismo, uma sensação de que o pior de uma séria tempestade já passou.

Retorno
As pessoas que começaram a trabalhar na empresa depois do 11 de setembro, quase todas na divisão de corretagem de ações, "já se acostumaram", diz Philip Marber, diretor-executivo sênior, que passou noites sem dormir preocupado com a recriação das bem treinadas mesas de operações que perdeu. "A química está melhorando. As coisas começam a se encaixar e é isso o que esperávamos que acontecesse."
As famílias sobreviventes pareciam mais contentes com Lutnick, cujas chorosas promessas de ajuda na televisão começaram a ser encaradas com raivosa suspeita já pelo começo de outubro. O novo fundo de caridade da empresa distribuíra cerca de US$ 9 milhões em assistência -Lutnick e os demais sócios haviam oferecido uma verba de US$ 5 milhões para ajudar o fundo a levantar outros US$ 10 milhões- e a Cantor pagou mais ou menos US$ 45 milhões em bônus e outros benefícios prometidos às famílias, de novembro para cá.
Lutnick não se sente amargurado com a reação. "Foi um momento passageiro", diz. "Eles lamentam que tenha acontecido. Eu lamento que tenha acontecido. Mas passou. Acabou."
Nos últimos meses, enquanto escapa um pouco aos holofotes da mídia, que não o deixavam nas semanas que se seguiram ao ataque, ele enviou 1.400 bilhetes manuscritos às famílias dos funcionários perdidos.

No azul
A Cantor não tem obrigação de revelar lucros. Mas ela é sócia majoritária da eSpeed, um sistema de operações financeiras eletrônicas cujas ações são negociadas em Bolsa. Nesse caso também Lutnick, como chairman e executivo-chefe, tem motivos de orgulho.
"Algumas semanas atrás, eu tive o incrível prazer de anunciar que a eSpeed teria lucros pela primeira vez no quarto trimestre de 2001", disse ele. Prevendo lucros entre um e cinco centavos por ação, Lutnick acrescentou que "não vamos só apresentar lucros por ação em termos contábeis; vamos mesmo ganhar dinheiro".
Não é possível dizer como esses ganhos afetarão a remuneração de Lutnick. Na Cantor, ele é o sócio-gerente de uma sociedade de capital fechado, que não revela a remuneração de quaisquer sócios. Na eSpeed, onde seu salário em 2000 foi de US$ 350 mil, com um bônus de US$ 650 mil, a remuneração de 2001 ainda não foi divulgada.
A recuperação das Bolsas de Valores foi um importante ingrediente no desempenho melhorado da Cantor no quarto trimestre, é evidente. Felizmente para a empresa, cerca de 75% das principais fontes de receita de suas operações com ações trabalhavam fora do escritório de Nova York.
Ontem, a empresa abriu um escritório em Shrewsbury, Nova Jersey, aliviando o congestionamento na sala improvisada de operações que Marber montou na região de Midtown, em Manhattan, depois do ataque. O novo escritório suburbano começará com dez pessoas, mas Marber espera que ele cresça e chegue a 25 funcionários caso as operações do grupo com ações continuem a prosperar.
A Cantor e a eSpeed tinham cada uma US$ 40 milhões em seguro imobiliário e US$ 25 milhões em seguro de interrupção de atividades, de acordo com Lutnick. Isso deve cobrir as despesas com equipamento e imóveis, avaliadas em US$ 32,4 milhões na eSpeed. O valor dos danos à Cantor não foi revelado.
Mas a recuperação dos lucros da Cantor também se beneficiou, perversamente, de um azar terrível -o da empresa e o da Enron Corporation.
Bem antes dos ataques, a Cantor começara a transferir suas operações centrais, a negociação de bônus públicos e privados para grandes clientes institucionais, e estava adotando um sistema eletrônico de operações criado pela eSpeed em substituição aos dispendiosos operadores humanos. Com a perda de tantos operadores, a Cantor se viu forçada, do dia para a noite, a transferir a maior parte de suas transações com margem de lucro baixa para a eSpeed.
Mas, a despeito do otimismo e de um sentimento forte de ter cumprido a promessa às famílias de seus amigos perdidos, o pessoal da Cantor estava ansioso pelo final de 2001.
"Na semana passada, para completar, fui atropelado por um táxi", disse Marber. "Na rua 39. Fiquei machucado, mas nada de sério. Mas lembro de ter pensado, quando me socorreram, que eu queria muito que o ano acabasse."



Tradução de Paulo Migliacci


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