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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Mudando de lugar
Há razões bastante sólidas para acreditar que a política fiscal tem contribuído
para a apreciação cambial
ABORDEI NA minha última coluna a taxa real de câmbio, argumentando que o comportamento da economia (saldos elevados em conta corrente e expansão
vigorosa da demanda doméstica)
sugere uma taxa próxima ao seu
equilíbrio. Coincidentemente alguns expoentes do "desenvolvimentismo", que passaram os últimos
anos a reclamar da taxa de câmbio,
parecem ter finalmente se rendido a
essas evidências, reconhecendo que
o câmbio veio para ficar.
A taxa real de equilíbrio, porém,
não é uma grandeza imutável. Ela é
determinada, entre outras coisas,
pelos preços das exportações brasileiras, que, do seu pior momento em
2002 ao começo de 2007, cresceram
cerca de 50%, seguindo os preços
das commodities (aumento de 65%
no período). Da mesma forma, a taxa real de câmbio reage à disposição
dos estrangeiros em investir no país,
variável que pode ser auferida pela
evolução dos prêmios pagos pelos
papéis brasileiros no exterior. Esses
também mostraram notável redução, caindo para cerca de 1,7 ponto
percentual nos últimos meses, contra mais de 13 pontos percentuais
em 2002 (também nosso pior momento).
Não é difícil concluir, portanto,
que a apreciação da taxa real de
câmbio de equilíbrio se deve à combinação favorável de preços mais altos de exportações e redução da percepção de risco-país (bem como a
outros fatores que exploro à frente),
em particular na comparação com
2002. Até "desenvolvimentistas"
empedernidos já aceitam os fatos,
mesmo que presumivelmente não
gostem deles. Curioso, porém, é que
não atentam, em sua maioria, para
políticas que poderiam levar a taxas
reais de câmbio de equilíbrio menos
apreciadas que a atual.
Uma forma de olhar a taxa real de
câmbio equivalente à tradicional
medida da taxa nominal ajustada
pela diferença entre a inflação doméstica e a externa é a relação entre
os preços dos produtos comercializáveis internacionalmente (como
aviões, carne etc.) e os dos não-comercializáveis internacionalmente
(tipicamente serviços).
Com efeito, se o preço dos comercializáveis sobe mais que o dos não-comercializáveis, as mensagens que
a economia ouve são: a) produza
mais produtos comercializáveis e
menos não-comercializáveis; e b)
consuma menos comercializáveis e
mais não-comercializáveis. À diferença entre a produção e o consumo
interno de bens comercializáveis
dá-se a alcunha de saldo comercial,
que cresce com a elevação desse preço relativo.
Assim, um aumento do preço dos
bens comercializáveis em relação
aos não-comercializáveis corresponde à depreciação real do câmbio;
já uma queda equivale à apreciação
real da moeda. Logo, se os gestores
de política querem alterar a taxa real
de câmbio, tudo que têm a fazer é
achar variáveis que afetem a demanda e a oferta de bens comercializáveis e não-comercializáveis. Em
particular, se querem uma taxa real
de câmbio mais depreciada, basta
reduzir a demanda por bens não-comercializáveis.
Acontece que o gasto público brasileiro, além de afetar a demanda doméstica, é bem mais concentrado
em produtos não-comercializáveis.
Uma forma evidente, portanto, de
reduzir a demanda por esses produtos e depreciar a taxa real de câmbio
seria reduzir de forma persistente o
gasto, mas -como tenho argumentado há tempos- a trajetória dessa
variável tem sido bastante diversa: o
dispêndio federal (sem contar Estados e municípios) subiu mais de 3
pontos percentuais do PIB entre
1997 e 2006, dos quais 1,5 ponto percentual de 2002 para cá.
Há, pois, razões bastante sólidas
para acreditar que a política fiscal
tem contribuído para a apreciação
cambial. Olhando o fenômeno por
um prisma distinto, é fácil concluir
que as taxas de juros consistentes
com as metas de inflação teriam sido
menores que as observadas se os
gastos fossem mais baixos, implicando taxas nominais de câmbio
mais depreciadas para a mesma trajetória de inflação, ou seja, taxas
reais também mais depreciadas.
Ironicamente, os mesmos que se
dizem preocupados com o câmbio
são os grandes defensores das políticas que contribuem para a valorização da taxa real de câmbio. Triste,
mas verdadeiro.
PS: A Henry Sobel. Grandes feitos
não garantem a absolvição; erros,
porém, jamais apagarão os grandes
feitos. Shalom.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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