São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997.

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DIAGNÓSTICO & RECEITA
País civilizado

OSIRIS LOPES FILHO
É impressionante a identidade de políticas, ações e palavras entre o presidente FHC e Fernando Collor. Ambos, a seu modo desastrado ou paranóico, pretenderam elevar o Brasil aos píncaros do Primeiro Mundo.
O episódio da privatização da Vale é emblemático dessa confluência lamentável de equívocos.
Era previsível que provocasse uma celeuma nacional, pela importância e pelo ótimo desempenho da empresa.
A sua imagem no país é ótima, principalmente em função de sua atuação no âmbito social e à promoção do desenvolvimento nos locais em que atua. Os argumentos que justificaram outras privatizações não se aplicam à Vale.
Só uma estratégia ingênua ou alucinada suporia poder sepultar todo o acervo obtido pela companhia, sob a acusação de que a apropriação decisiva dos seus resultados tem sido feita em favor de seus funcionários, por força de uma orientação corporativa.
A atuação do Executivo, no relacionamento com o Judiciário, na questão de liminares concedidas por juízes em ações com o objetivo de impedir o leilão de venda do controle acionário da Vale, tem a marca do destempero e da incompetência.
Há empáfia nos argumentos presidenciais, como se os votos que o elegeram lhe conferissem legitimidade para atropelar as leis e o seu guardião máximo, o Judiciário.
A atração do capital estrangeiro construtivo e consistente não se fará, a não ser em termos extorsivos, com esse espetáculo de "strip-tease", num show de pervertida e oportunista indecência oferecedora.
Há um valor fundamental para atração do capital estrangeiro sério e empreendedor. É a segurança jurídica. A estabilidade das regras e instituições fundamentais do Estado. Tentar transformar o Judiciário em homologador expedito e automático das sandices do Executivo é degradar o nosso estágio civilizatório, nivelando-o ao Zaire, Burundi e Uganda.
A lição do jurista Geraldo Ataliba não foi aprendida pelo Executivo. O Estado de Direito caracteriza-se pela submissão às leis, o respeito às minorias, mas fundamentalmente pela existência de um Judiciário independente, que zele pela observância da ordem constitucional e legal.
A atuação serena e imparcial do Judiciário, apesar dos destemperos governamentais, demonstra que há esperança de nos tornarmos um país civilizado.


Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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