São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Burkina Fasso, Benin, Mali, Chade, Brasil e o algodão

BENJAMIN STEINBRUCH

Burkina Fasso, capital Uagadugu, 13,2 milhões de habitantes, é um país africano onde a mortalidade infantil vitima cem em cada mil bebês nascidos vivos.
Benin, capital Porto Novo, 7 milhões de habitantes, tem um PIB de US$ 8 bilhões e um índice de analfabetismo de 60%.
Mali, capital Bamaco, tem um índice de mortalidade infantil de 119 para cada mil nascidos vivos e 64% da população de 11,6 milhões de pessoas está abaixo da linha de pobreza.
Chade, capital Ndjamena, 9,2 milhões de habitantes, tem 80% da população na pobreza absoluta e exporta apenas US$ 197 milhões por ano.
O que esses quatro países têm em comum? Todos são africanos, pobres e foram colônias francesas que obtiveram sua autonomia no mesmo ano, 1960. Todos têm economia fortemente concentrada na agricultura, que emprega mais de 80% da população. Todos são produtores de algodão e dependem das receitas de exportação desse produto para a sua subsistência.
Na semana passada, quando a OMC (Organização Mundial do Comércio) tomou a inédita decisão de determinar aos Estados Unidos a retirada dos subsídios às exportações de algodão, esses quatro países praticamente não foram lembrados. O vencedor, segundo a imprensa econômica -do "Valor", em São Paulo, ao "Wall Street Journal", em Nova York, e ao "Financial Times", em Londres-, foi o Brasil. De fato, a vitória se deve ao trabalho determinado e competente da diplomacia brasileira em favor dos agricultores do país. Mas grandes ganhadores são também países muito mais pobres do que o Brasil, como esses africanos, que também perderam milhões de dólares em exportações nos últimos anos por causa dos subsídios americanos, mas que não têm voto nem voz nos fóruns internacionais.
Quando sobrevoei pela primeira vez os Estados Unidos, muitos anos atrás, fiquei impressionado com a paisagem agrícola. Visto do alto, de leste a oeste, tirando regiões montanhosas e desérticas, o país é literalmente quadriculado. Praticamente não há matas, como costumamos ver do alto no Brasil. Todo o espaço no campo é aproveitado por alguma cultura, numa incrível demonstração de riqueza.
Os 25 mil produtores americanos de algodão são riquíssimos. Ocorre que pelo menos metade de suas riquezas advém de subsídios do governo. De 1999 a 2002, eles receberam subsídios de US$ 12,5 bilhões, segundo a OMC. Nesse período, o valor do algodão vendido alcançou US$ 13,8 bilhões, ou seja, receberam do governo quase tanto quanto obtiveram com o produto da venda de suas lavouras.
Esses subsídios promoveram uma competição desleal no mercado internacional, porque reduziram as cotações do algodão para até US$ 0,29 por libra-peso. Com isso, os produtores dos EUA ganharam uma grande fatia do mercado mundial de algodão: tinham 17% em 1999 e passaram a 42% em 2003. Estima-se que o Brasil tenha perdido US$ 450 milhões em exportações nesse período. Não se sabe quantos milhões perderam os africanos e outros países produtores.
A decisão da OMC é histórica não só pelo algodão mas também porque abre caminho para a contestação geral do gigantesco esquema de proteção desleal à produção agrícola posto em prática pelos Estados Unidos e pela Europa. Até agora, antes de dar ganho de causa à queixa brasileira sobre o algodão, nunca a organização havia se manifestado a respeito de subsídios domésticos à agricultura.
Está longe ainda o dia em que a vitória na OMC produzirá resultados práticos para as receitas de exportação de algodão de brasileiros e africanos. Os americanos, como antecipou o representante comercial do EUA, Robert Zoellick, vão recorrer da decisão "até o fim". Assim, tentarão protelar a punição aos EUA e evitar prejuízos eleitorais ao presidente George W. Bush, fortemente apoiado pelo setor agrícola, na próxima campanha presidencial.
De qualquer forma, a decisão da OMC abre caminho, pela primeira vez, para um processo em que se tentará abolir um perverso sistema de subsídios que, na contramão do bom senso, contribui para aumentar a riqueza e a ineficiência dos ricos, em detrimento dos produtores mais pobres e reconhecidamente mais eficientes.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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