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OPINIÃO ECONÔMICA
Burkina Fasso, Benin, Mali, Chade, Brasil e o algodão
BENJAMIN STEINBRUCH
Burkina Fasso, capital Uagadugu, 13,2 milhões de habitantes, é um país africano onde a
mortalidade infantil vitima cem
em cada mil bebês nascidos vivos.
Benin, capital Porto Novo, 7 milhões de habitantes, tem um PIB
de US$ 8 bilhões e um índice de
analfabetismo de 60%.
Mali, capital Bamaco, tem um
índice de mortalidade infantil de
119 para cada mil nascidos vivos e
64% da população de 11,6 milhões
de pessoas está abaixo da linha de
pobreza.
Chade, capital Ndjamena, 9,2
milhões de habitantes, tem 80%
da população na pobreza absoluta e exporta apenas US$ 197 milhões por ano.
O que esses quatro países têm
em comum? Todos são africanos,
pobres e foram colônias francesas
que obtiveram sua autonomia no
mesmo ano, 1960. Todos têm economia fortemente concentrada
na agricultura, que emprega mais
de 80% da população. Todos são
produtores de algodão e dependem das receitas de exportação
desse produto para a sua subsistência.
Na semana passada, quando a
OMC (Organização Mundial do
Comércio) tomou a inédita decisão de determinar aos Estados
Unidos a retirada dos subsídios às
exportações de algodão, esses
quatro países praticamente não
foram lembrados. O vencedor, segundo a imprensa econômica
-do "Valor", em São Paulo, ao
"Wall Street Journal", em Nova
York, e ao "Financial Times", em
Londres-, foi o Brasil. De fato, a
vitória se deve ao trabalho determinado e competente da diplomacia brasileira em favor dos
agricultores do país. Mas grandes
ganhadores são também países
muito mais pobres do que o Brasil, como esses africanos, que também perderam milhões de dólares
em exportações nos últimos anos
por causa dos subsídios americanos, mas que não têm voto nem
voz nos fóruns internacionais.
Quando sobrevoei pela primeira vez os Estados Unidos, muitos
anos atrás, fiquei impressionado
com a paisagem agrícola. Visto
do alto, de leste a oeste, tirando
regiões montanhosas e desérticas,
o país é literalmente quadriculado. Praticamente não há matas,
como costumamos ver do alto no
Brasil. Todo o espaço no campo é
aproveitado por alguma cultura,
numa incrível demonstração de
riqueza.
Os 25 mil produtores americanos de algodão são riquíssimos.
Ocorre que pelo menos metade de
suas riquezas advém de subsídios
do governo. De 1999 a 2002, eles
receberam subsídios de US$ 12,5
bilhões, segundo a OMC. Nesse
período, o valor do algodão vendido alcançou US$ 13,8 bilhões,
ou seja, receberam do governo
quase tanto quanto obtiveram
com o produto da venda de suas
lavouras.
Esses subsídios promoveram
uma competição desleal no mercado internacional, porque reduziram as cotações do algodão para até US$ 0,29 por libra-peso.
Com isso, os produtores dos EUA
ganharam uma grande fatia do
mercado mundial de algodão: tinham 17% em 1999 e passaram a
42% em 2003. Estima-se que o
Brasil tenha perdido US$ 450 milhões em exportações nesse período. Não se sabe quantos milhões
perderam os africanos e outros
países produtores.
A decisão da OMC é histórica
não só pelo algodão mas também
porque abre caminho para a contestação geral do gigantesco esquema de proteção desleal à produção agrícola posto em prática
pelos Estados Unidos e pela Europa. Até agora, antes de dar ganho
de causa à queixa brasileira sobre
o algodão, nunca a organização
havia se manifestado a respeito
de subsídios domésticos à agricultura.
Está longe ainda o dia em que a
vitória na OMC produzirá resultados práticos para as receitas de
exportação de algodão de brasileiros e africanos. Os americanos,
como antecipou o representante
comercial do EUA, Robert Zoellick, vão recorrer da decisão "até
o fim". Assim, tentarão protelar a
punição aos EUA e evitar prejuízos eleitorais ao presidente George W. Bush, fortemente apoiado
pelo setor agrícola, na próxima
campanha presidencial.
De qualquer forma, a decisão
da OMC abre caminho, pela primeira vez, para um processo em
que se tentará abolir um perverso
sistema de subsídios que, na contramão do bom senso, contribui
para aumentar a riqueza e a ineficiência dos ricos, em detrimento
dos produtores mais pobres e reconhecidamente mais eficientes.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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