São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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COMÉRCIO

Mercosul e União Européia tentam destravar negociações em Bruxelas

Europa abre propostas aos poucos

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

A União Européia ainda não apresentou a sua oferta completa de liberalização comercial ao Mercosul, mas, pouco a pouco, vai pondo à mesa um papel aqui, outro ali, o que acaba compondo um pacote capaz de permitir a concretização da zona de livre comércio com o bloco do Sul.
É até provável que a oferta completa nem seja apresentada na 13ª reunião do CNB (Comitê de Negociações Birregionais), a mais importante instância técnica das negociações, que se inaugurou ontem e vai até sexta-feira.
"Mais importante do que o momento de apresentação das ofertas é fazê-la quando as partes estejam prontas para oferecer o que a outra quer, naturalmente dentro dos limites de cada qual", diz Arancha González, a porta-voz da União Européia para comércio.
A falta de um pacote completo causa, como é óbvio, uma certa agonia do outro lado. "Sou engenheiro e, como tal, cartesiano. Quero ver tudo sobre a mesa para saber quanto ganho e quanto devo pagar", diz Mário Mugnaini, ex-diretor da Fiesp, levado pelo ministro Luiz Fernando Furlan para o Desenvolvimento.
Reforça o embaixador do Brasil na União Européia, José Alfredo Graça Lima: "Não quero montar uma tribuna de queixas contra a UE, porque não leva a nada, mas está faltando um certa transparência, sem a qual não se pode tomar decisões".
Além da angústia, há visível diferença de interpretação entre os negociadores brasileiros que vieram de Brasília (mais otimistas) e aqueles que estão servindo em Bruxelas, mais desconfiados.
Exemplo: a oferta européia de uma cota de 1 bilhão de litros de etanol para o Mercosul.
A dúvida do pessoal de Bruxelas é sobre a existência de mercado para o produto, já que não é obrigatória a mistura do etanol à gasolina. Logo, a oferta européia pode ser puro vento, dizem os técnicos da embaixada em Bruxelas.
Mas Mugnaini contrapõe: "Eles não vão nos oferecer, além da cota, o marketing de nosso produto. Nós é que temos que ir atrás".
É o que Mugnaini fará, após a reunião em Bruxelas: irá à Alemanha, para convencer o governo local a tornar obrigatória a adição de ao menos 2% de álcool anidro à gasolina. "A Suécia já o faz."
Se os governos puserem em prática determinação do Parlamento Europeu, a porcentagem será bem maior (5%). Para o Brasil, líder mundial na produção de etanol, seria um ótimo negócio.
Segundo exemplo: carne. Consta que os europeus teriam oferecido ao Mercosul cota adicional de 50 mil toneladas para a exportação de carne bovina de melhor qualidade (cota Hilton). A cota atual é de 40 mil toneladas.
Parece bom negócio, mas o embaixador Graça Lima pergunta: "Essa cota irá aumentando com o tempo ou é para sempre?". A pergunta faz sentido técnico: cota, por definição, não é livre comércio, já que um país não pode vender livremente sua produção ao parceiro, mas apenas a parte que ficar dentro do estabelecido.
Mas faz sentido financeiro: os produtores brasileiros de carne de qualidade ganhariam mais dinheiro, também por definição, se a cota aumentar.

Furlan
O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, lamentou hoje que o projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) não inclua uma ajuda aos países pobres semelhante aos fundos estruturais da União Européia.
"Na UE, os países ricos criaram, com sensatez, fundos para ajudar as economias em desenvolvimento, como Espanha, Portugal e Grécia", disse o ministro. Ele participou do seminário do Conselho das Américas (Organização que promove investimentos na região - Organizado anualmente no Departamento de Estado).
"Na América do Sul, no entanto, existem países muito mais pobres que Espanha, Grécia e Portugal, e na proposta da Alca não há nenhuma disposição de estabelecer um equilíbrio econômico no bloco, de modo que as economias menores possam competir em igualdade de condições com os outros", lamentou Furlan.


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