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OPINIÃO ECONÔMICA
O motor afogou
BENJAMIN STEINBRUCH
Era quase cômico ter um automóvel a álcool 20 anos
atrás, no início do Proálcool (Programa Nacional do Álcool). Lembro-me de um amigo que comprou um carro zerinho por volta
de março de 1980. Quando o inverno chegava, ele tinha enormes
dificuldades para fazer o motor
funcionar pela manhã. No painel,
havia um botão para ajudar o
motorista a dar a partida com
temperatura fria. Ao apertar esse
botão, injetava-se gasolina no
carburador. Assim, o motor deveria funcionar com gasolina até esquentar, para então passar a consumir álcool. Mas a bombinha de
gasolina normalmente entupia
ou injetava mais combustível do
que o necessário, o que "afogava"
o motor.
Meu amigo começou a estacionar o carro em uma ladeira à noite, para tentar dar a partida no
tranco pela manhã. A estratégia
também não dava muito certo.
Mesmo descendo a ladeira, o motor muitas vezes recusava-se a
"pegar". Então ele teve a idéia
brilhante de comprar uma bisnaguinha de plástico. Antes de dar a
partida, colocava luvas, abria a
tampa do carburador e esguichava gasolina com a bisnaga na medida certa para não "afogar" o
motor. Aí então o motor funcionava.
Foi assim a introdução do carro
a álcool no Brasil. Mas isso faz
parte do folclore. Há muito tempo
as montadoras já encontraram
solução técnica para o problema e
o automóvel a álcool passou a ser
tecnologicamente tão confiável
quanto os a gasolina.
Enquanto funcionou, o Proálcool surpreendeu o mundo. Em
1986, no auge do programa, as
montadoras brasileiras produziram 700 mil carros a álcool, quase
70% do número total fabricado.
O petróleo estava em alta no
mercado internacional e o combustível brasileiro representava
uma alternativa viável, barata e
ecologicamente melhor que a gasolina. Mas vieram os problemas.
O preço do petróleo, que atualizado para valores de hoje havia passado de US$ 50 o barril, começou
a baixar. Internamente, o programa tinha defeitos de origem, como o controle governamental da
produção e, principalmente, os
subsídios oficiais -estima-se que
o governo tenha concedido cerca
de US$ 11 bilhões em incentivos.
O tiro que quase matou o carro
a álcool foi em 1989, quando, por
falta de oferta do combustível, os
motoristas passaram a enfrentar
filas enormes para encher os tanques. Sem a confiança do consumidor, a produção de veículos a
álcool foi diminuindo ano a ano,
até chegar a apenas mil unidades
em 1997.
Apesar disso tudo, o carro a álcool ainda não morreu. Está moribundo. A frota nacional conta
ainda com cerca de 3 milhões de
veículos, 15% do total. Todos os
candidatos a presidente têm feito
declarações a favor da retomada
do Proálcool. O próprio governo,
de olho nos preços do petróleo, decidiu retomá-lo, por iniciativa do
Ministério do Desenvolvimento.
Ainda não existe um plano, mas
há uma coisa muito importante:
consenso a favor dele.
O novo Proálcool deveria, obviamente, evitar os erros do passado: subsídios, cotas de produção, controle de preços e abastecimento irregular. A maior dificuldade é a do abastecimento. A produção de álcool é muito dependente dos preços do açúcar.
Quando o mercado internacional
está favorável ao açúcar, a tendência natural das usinas é reduzir a produção do álcool para produzir mais açúcar.
As usinas brasileiras são hoje
altamente competitivas, responsáveis pela produção de 33% do
açúcar mundial. Produzem 11,5
bilhões de litros de álcool por ano
e têm capacidade para chegar a
16 bilhões. Além de barato, o álcool brasileiro é um combustível
renovável e menos poluente do
que a gasolina. Nos EUA, por
questões ambientais, o Congresso
aprovou há três meses a adição de
álcool à gasolina, o que será feito
de forma gradativa nos 50 Estados americanos.
O ideal seria globalizar o novo
Proálcool, ou seja, voltá-lo também para o mercado externo, embora os subsídios dos demais países produtores sejam um grande
obstáculo às exportações. De
qualquer forma, o aumento do
consumo interno desse combustível já traria um alívio importantíssimo às contas externas do país.
Com os preços do petróleo no nível atual, o Brasil deve gastar neste ano de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões com a importação dessa
matéria-prima.
Vivemos dizendo que o Brasil precisa estimular o desenvolvimento de soluções genuinamente brasileiras, de tecnologias nacionais e de setores internacionalmente competitivos. Está aí uma oportunidade: a cana.
Benjamin Steinbruch, 47, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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