São Paulo, quarta-feira, 04 de julho de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Violência e impunidade, para todos


O fio invisível que a tudo enlaça e enreda é um só: a não-imputabilidade dos poderes constituídos


A POUCOS dias do início do Pan -os Jogos Pan-Americanos- , o Rio, cidade-sede do evento, é coalhado pelas forças da repressão em mais um violento ataque ao "favela-bairro" conhecido como Complexo do Alemão. As cenas de faroeste, com toques de "Rambo", são levadas a televisões do mundo inteiro, como nos relata Clóvis Rossi, da Europa. A operação fez 19 mortos. A autoridade estadual prometeu, então, prosseguir na faxina, estendendo a malha operacional de segurança para mais quatro comunidades, inclusive a Rocinha.
Desta operação, como de tantas mais -afora os mortos, em geral adolescentes-, não se fica sabendo o "porquê" nem o "para quê" da matança oficial. A névoa da desinformação persiste densa, como sempre, enquanto as promessas de reforma social e urbana, tão distantes quanto antes.
O Rio é uma cidade reduzida à condição de pólo turístico. Em tese. Porque, de fato, não pode haver avanço em lazer e entretenimento em meio a uma guerra permanente. O Rio rendido, com o Corcovado de mãos para o alto, é uma triste realidade nacional, que, por sua imensa visibilidade, empata o desempenho econômico do país. O Rio se tornou uma doença federal, endêmica e intratada, que a eleição do sofrido Cristo, como maravilha, não resgatará sua imagem torpedeada.
Entretanto, certos fenômenos de violência coletiva e quase consentida, como no Rio, não raro vêm associados a outras violências, que assumem formas diversas da bala, da matança física. São perdas virtuais. O noticiário da semana também nos informa da queda do número de turistas estrangeiros no Brasil, em 340 mil visitantes, durante 2006. A queda deve acentuar-se em 2007, apesar do Pan e dos esforços do Ministério de Turismo para que os turistas aqui relaxem e gozem.
Quem viaja sabe bem o sufoco que se tornou o ato de tentar pegar um avião, meio mais rápido de transformar um monge budista num cão raivoso. E por quê? Mais uma vez, a névoa densa paira sobre os meios da comunicação nacional, que elegem seus bodes expiatórios -desta vez os controladores de vôo, que, decerto, não teriam a competência nem os meios de provocar tanta bagunça, justamente naqueles dias e horários e naquelas rotas onde a malha aérea das companhias domésticas não conseguiu repor o buraco provocado pela ruína quase programada da Varig, nas barbas das autoridades do setor e dos mais altos poderes da República.
Como no caso das perdas do Rio, dissipou-se, com a quebra da Varig, a experiência ali acumulada por décadas, rotas construídas penosamente, pessoal dispendiosamente treinado, poupanças previdenciárias de mais de R$ 3 bilhões (os planos de pensão do Aerus, agora liquidados para desespero de milhares de aeronautas).
Mais sutil ainda, mas não menos bárbara, é a violência do governo quando continua a gastar ao dobro da velocidade do PIB, matando empregos com juros sempre mais altos do que deveriam ser, e um câmbio que quase nunca favorece quem trabalha ou planeja produzir mais.
O fio invisível que a tudo enlaça e enreda é um só: a não-imputabilidade dos poderes constituídos, o poder-fazer-quase-qualquer-barbaridade-sem-qualquer-perigo-de-castigo. Cresce, portanto, o dever da sociedade de se insurgir contra todas as formas de violência.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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