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OPINIÃO ECONÔMICA
Eleições 2002: previdência inteligente
PAULO RABELLO DE CASTRO
No Brasil, a previdência social não é inteligente: é imprevidente. No setor privado, chamado de "regime geral", é representada pelo INSS, que faz a repartição imediata dos recursos
arrecadados dos contribuintes
para distribuir, mês a mês, aos
aposentados e pensionistas. O
INSS não tem nenhuma reserva
financeira, nada é "poupado" para o futuro. O déficit anual do
INSS alcança cerca de 1% do PIB.
Mas no governo o outro regime
"especial" é bem pior. As contribuições não chegam a cobrir senão uma pequena parte do total
pago em benefícios. Cerca de 960
mil beneficiários do regime "especial" consomem algo como R$ 56
bilhões por ano.
Portanto são dois sistemas paralelos: um para o setor privado
em geral (INSS), mas regido pelo
governo federal, e um segundo,
público, que verte benefícios para
funcionários do próprio governo,
nos seus três níveis. No setor privado, o benefício médio é baixo,
cerca de R$ 350 por beneficiário
por mês. No setor público, alcança
cerca de R$ 4.800 por pessoa. Os
aposentados do governo ganham,
em média, 14 vezes mais, e não estão limitados ao teto da aposentadoria do INSS.
Há diversos problemas no sistema previdenciário brasileiro, todos graves, mas abordaremos
quatro aspectos:
1) é um sistema deficitário e explosivo, ou seja, a cada ano o déficit será maior, condenando o futuro de quem confia nele (já bastaria esse defeito, mas tem mais);
2) o participante da previdência
social não "enxerga" suas contribuições mensais, pois os depósitos
não são lançados em contas individuais; são tratados como caixa
único na contabilidade do INSS e
do Tesouro Nacional;
3) a desigualdade de tratamento previdenciário é flagrante entre a "turma" do INSS e a "turma" empregada no governo;
4) como o participante não "enxerga" suas contribuições, ninguém pensa a previdência social
como poupança, mas como um
"tempo corrido" até o direito à
aposentadoria (é a mentalidade
do "quanto falta?" em vez do
"quanto tenho?").
Para fazer omelete, é preciso
quebrar ovos. Impossível fazer de
outro jeito. Como o governo FHC
não quis quebrar os "ovos" dos
privilégios e distorções das duas
previdências, pôs panos quentes
no déficit explosivo criando mecanismos de retardo e postergação do problema (o "fator previdenciário", entre outras medidas). Quando quis passar a fazer
omelete, cobrando dos inativos
do setor público uma parcela de
contribuição, a reação foi fortíssima, tendo sido repudiada no
Congresso.
Entende-se a reação de qualquer um que se sinta prejudicado
por uma mudança na "regra do
jogo" previdenciário, principalmente se as propostas do governo
não prometem mudar o sistema.
Para a sociedade aceitar novos
sacrifícios, só com uma idéia clara de mudança. O governo FHC
pecou por nunca haver mostrado
que suas propostas trariam benefícios duradouros. Aliás, esse não
era mesmo o caso.
Por que essa idéia de mudança
duradoura é, assim, tão crucial?
A resposta está em nosso artigo
anterior, o primeiro da série, que
mostra a necessidade de se alcançar, logo no início do próximo governo, uma vitória decisiva contra a "gastança" pública, o desperdício e o déficit, ou seja, cortar
a diferença entre o que se gasta
hoje e o que se consegue arrecadar da sociedade. O que está em
jogo é a percepção do futuro.
Para ganhar essa guerra, o próximo governo precisa deixar claro
para o "mercado" que não continuará tomando tanto dinheiro
emprestado, condição essencial
para os juros caírem e, até por isso, a despesa do próprio governo
(com juros) também recuar. Para
isso, algumas contas de gastos gigantes precisam ser revistas, sendo a da previdência (INSS e Tesouro) a maior delas, e a mais deficitária.
Para a roda do crescimento econômico sair do atoleiro dos juros
altos, a chave é buscar um sistema
previdenciário mais inteligente e
menos gastador.
Em que ponto estamos dessa
discussão? Atrasados. Os candidatos presidenciáveis estão apenas esboçando saídas, pesquisadas por suas assessorias. Já sabem
que os déficits previdenciários são
grandes e crescentes. Já sabem
que um sistema estimulador de
"poupanças individuais" seria,
em tese, melhor para o crescimento do país já que, no atual, ninguém enxerga o que, de fato, se
poupa. Compreendem também
que é injusto ter duas previdências, sendo a do governo tão privilegiada em relação à do regime
geral (INSS).
Esse reconhecimento é importante para começar, mas não ajuda muito a alcançar uma proposta firme e de entendimento geral.
Os críticos da mudança (os que
preferem que todos fiquemos
quietos e conformados até o Juízo
Final) alegam que o governo não
tem recursos para bancar a evolução do atual sistema rumo à sua
capitalização, ou seja, aquele sistema em que os novos participantes acumulariam suas próprias
aposentadorias.
Mas, se não há como cobrir a
capitalização imediata do estoque de compromissos acumulados (os recursos seriam trilionários!), então é preciso deixar que,
pelo menos, o tempo passe a trabalhar a favor da mudança gradual. Uma proposta previdenciária duradoura passa por apenas
dois princípios.
Primeiro: congelar o passado,
redefinir o futuro. Significa que
todos os contribuintes atuais,
principalmente os novos, têm que
passar a ter o direito de escolher o
sistema de capitalização, baseado
na acumulação contábil de seus
aportes mensais. Está correto o
candidato que defende, portanto,
a contabilização individual das
contribuições, ou seja, a conta
previdenciária personalizada.
A conta individual de previdência estimulará que cada cidadão
visualize o quanto tem acumulado e "enxergue" seu futuro, podendo ainda estimular que se faça mais aportes, voluntários e
complementares à parcela obrigatória do INSS. Quanto ao passado, o que significa "congelar"?
O governo precisa registrar seus
débitos previdenciários totais, fixando ou "congelando" esse encargo total e, a partir daí, por
meio de uma lei previdenciária
anual, aditiva à Lei de Diretrizes
Orçamentárias, estabelecer as
fontes de recursos atuais e futuras
do financiamento desse estoque
de obrigações. Uma vez fotografado o débito total, o governo programará o "descongelamento" de
cada prestação anual.
Antes de aprovar uma lei previdenciária em 2004, o Congresso
precisará ter votado um tributo
correspondente a uma contribuição solidária de toda a sociedade
para a absorção gradual desse estoque "congelado" do passado.
Preferivelmente, deixará de impor ao empregador a obrigação
de recolher para o empregado,
que, então, recolherá para si próprio. Logo, outra fonte correspondente à parcela do empregador
deverá ser criada. Daí a oportunidade da discussão de uma reforma tributária simultânea, que
defina recursos correspondentes a
um tributo de aplicação geral a
essa finalidade de cobertura previdenciária do passado. O tributo
mais plausível seria uma espécie
de IVA de administração federal,
incidindo sobre o consumo, portanto capaz de "solidarizar" as
contribuições na proporção do
gasto de cada cidadão.
Segundo: unificar as previdências do INSS e do Tesouro, resguardando os benefícios adquiridos, e criando uma previdência
complementar para o setor governo, com regras próprias, recebendo aportes das atuais pensões,
desde que em valor excedente à
prestação máxima paga pelo
INSS.
Tal regra de unificação de regimes não só é democrática e simplificadora, como também definirá, com clareza, qual o nível de
suporte financeiro a ser exigido
dos orçamentos públicos quanto
à complementação das suas aposentadorias e pensões. A sociedade poderá influir diretamente
nessa discussão por intermédio
dos parlamentares, abrindo a
atual caixa-preta das chamadas
"pensões privilegiadas" que hoje
se acobertam atrás da multidão
de outras aposentadorias de baixo valor.
Uma reforma duradoura da
previdência não só deteria a tendência explosiva do déficit como
também reduziria os encargos de
juros do governo, abrindo caminho para o país crescer. O valor
social da reforma seria ainda
maior. Cidadãos que "enxergam"
seu futuro conseguem programar
melhor suas vidas, ser melhores
pais e melhores mães, melhores
profissionais e melhores colegas
de trabalho. Uma sociedade que
produz sua própria poupança alimenta seu futuro de novos investimentos e o seu presente com
mais empregos produtivos. Uma
previdência inteligente é a melhor
escada de acesso à cidadania. É o
que discutiremos no próximo artigo.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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