São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA
Novidades no controle de fusões

GESNER OLIVEIRA

O anteprojeto de mudança na defesa da concorrência que o governo divulgou na semana passada contém várias alterações no controle das fusões e aquisições implementado no país desde a edição da lei 8.884, em junho de 1994. Embora a proposta introduza alguns dispositivos úteis, sua implementação na forma proposta pode acarretar distorções ainda maiores do que as atuais.
O principal problema desse tipo de política no Brasil reside no excesso de burocracia, demora e fragmentação para a tomada de decisão e consequente insegurança jurídica. As empresas que promovem uma operação de aquisição ou fusão podem esperar a autorização por mais de um ano depois de a transação ter sido realizada e de uma série de providências, envolvendo contratos com fornecedores, clientes e trabalhadores, terem gerado efeitos sobre o mercado. Isso eleva o risco de uma operação anticompetitiva, bem como os custos associados a sua eventual proibição, muito tempo depois de sua ocorrência.
A proposta sob consulta apresenta dois pontos positivos. De um lado, introduz a aprovação automática de uma transação em 30 dias, caso a autoridade não se manifeste em relação à operação. Trata-se de mecanismo simplificador, já utilizado em outras jurisdições, que leva em consideração o fato de a maioria das operações (95%) não apresentar risco ao mercado. De outro lado, cria-se a obrigatoriedade de apresentação prévia ao ato, evitando-se os prejuízos associados a uma possível desconstituição.
Ressaltem-se, contudo, quatro defeitos principais. Em primeiro lugar, pretende-se transferir o poder de decisão de um colegiado, como o Cade na atualidade, para um diretor-geral. Essa autoridade, cujo mandato coincidiria com o do presidente da República, poderia arquivar, autorizar e impugnar atos envolvendo quantias bilionárias mediante decisão monocrática. Conforme enfatizado por esta coluna, isso representaria indesejável politização de decisão de caráter técnico, na contramão da tendência internacional em defesa da concorrência.
Em segundo lugar, propõe-se uma redução do patamar de faturamento das empresas, que teriam de submeter atos para exame dos atuais R$ 400 milhões anuais no mundo para R$ 150 milhões no Brasil. Isso eleva desnecessariamente o número de operações a ser notificadas, especialmente por empresas brasileiras de menor porte, que deveriam, pela própria lógica da abertura econômica, buscar ganhar escala mediante parcerias e fusões. A não ser que se pretenda aumentar a receita com notificações, cuja taxa foi triplicada de R$ 15 mil para R$ 45 mil. Reduz-se, ao mesmo tempo, o controle sobre os atos de empresas multinacionais, na direção contrária às evidências contidas no último Relatório Anual de Investimento de 2000 da Unctad/ONU.
Em terceiro lugar, a análise prévia de fusões exige redobrar esforços com o tratamento de informações sigilosas. O vazamento de uma operação de compra pode comprometer não apenas o negócio, mas a própria sobrevivência da empresa a ser adquirida. No entanto a proposta não contempla dispositivo a esse respeito. Pior, prevê-se uma consulta ao mercado acerca da transação a ser apreciada cinco dias úteis após sua protocolização (artigo 54, parágrafo 11).
Em quarto lugar, seria necessário prever procedimentos específicos para os setores regulados. As operações no setor elétrico e telecomunicações, por exemplo, envolvem peculiaridades e órgãos competentes, como a Aneel e a Anatel, que precisam estar articulados em um sistema harmônico e eficiente de controle. O mesmo se aplica, com maior razão, ao setor bancário, para o qual a preocupação com o risco de vazamento deveria ser primordial.
O controle de fusões no Brasil é recente e ainda está sendo assimilado pelos setores público e privado. Embora seja urgente aperfeiçoá-lo, pareceria cauteloso evitar mudanças demasiadamente abrangentes, que venham a prejudicar o mercado em vez de protegê-lo.


Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.

E-mail - gesner@fgvsp.br


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