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OPINIÃO ECONÔMICA
Novidades no controle de fusões
GESNER OLIVEIRA
O anteprojeto de mudança na defesa da concorrência que o governo divulgou na semana passada contém várias alterações no controle das fusões e
aquisições implementado no país
desde a edição da lei 8.884, em junho de 1994. Embora a proposta
introduza alguns dispositivos
úteis, sua implementação na forma proposta pode acarretar distorções ainda maiores do que as
atuais.
O principal problema desse tipo
de política no Brasil reside no excesso de burocracia, demora e
fragmentação para a tomada de
decisão e consequente insegurança jurídica. As empresas que promovem uma operação de aquisição ou fusão podem esperar a autorização por mais de um ano depois de a transação ter sido realizada e de uma série de providências, envolvendo contratos com
fornecedores, clientes e trabalhadores, terem gerado efeitos sobre
o mercado. Isso eleva o risco de
uma operação anticompetitiva,
bem como os custos associados a
sua eventual proibição, muito
tempo depois de sua ocorrência.
A proposta sob consulta apresenta dois pontos positivos. De
um lado, introduz a aprovação
automática de uma transação em
30 dias, caso a autoridade não se
manifeste em relação à operação.
Trata-se de mecanismo simplificador, já utilizado em outras jurisdições, que leva em consideração o fato de a maioria das operações (95%) não apresentar risco
ao mercado. De outro lado, cria-se a obrigatoriedade de apresentação prévia ao ato, evitando-se
os prejuízos associados a uma
possível desconstituição.
Ressaltem-se, contudo, quatro
defeitos principais. Em primeiro
lugar, pretende-se transferir o poder de decisão de um colegiado,
como o Cade na atualidade, para
um diretor-geral. Essa autoridade, cujo mandato coincidiria com
o do presidente da República, poderia arquivar, autorizar e impugnar atos envolvendo quantias
bilionárias mediante decisão monocrática. Conforme enfatizado
por esta coluna, isso representaria
indesejável politização de decisão
de caráter técnico, na contramão
da tendência internacional em
defesa da concorrência.
Em segundo lugar, propõe-se
uma redução do patamar de faturamento das empresas, que teriam de submeter atos para exame dos atuais R$ 400 milhões
anuais no mundo para R$ 150
milhões no Brasil. Isso eleva desnecessariamente o número de
operações a ser notificadas, especialmente por empresas brasileiras de menor porte, que deveriam, pela própria lógica da abertura econômica, buscar ganhar
escala mediante parcerias e fusões. A não ser que se pretenda
aumentar a receita com notificações, cuja taxa foi triplicada de R$
15 mil para R$ 45 mil. Reduz-se,
ao mesmo tempo, o controle sobre
os atos de empresas multinacionais, na direção contrária às evidências contidas no último Relatório Anual de Investimento de
2000 da Unctad/ONU.
Em terceiro lugar, a análise prévia de fusões exige redobrar esforços com o tratamento de informações sigilosas. O vazamento de
uma operação de compra pode
comprometer não apenas o negócio, mas a própria sobrevivência
da empresa a ser adquirida. No
entanto a proposta não contempla dispositivo a esse respeito.
Pior, prevê-se uma consulta ao
mercado acerca da transação a
ser apreciada cinco dias úteis
após sua protocolização (artigo
54, parágrafo 11).
Em quarto lugar, seria necessário prever procedimentos específicos para os setores regulados. As
operações no setor elétrico e telecomunicações, por exemplo, envolvem peculiaridades e órgãos
competentes, como a Aneel e a
Anatel, que precisam estar articulados em um sistema harmônico e
eficiente de controle. O mesmo se
aplica, com maior razão, ao setor
bancário, para o qual a preocupação com o risco de vazamento
deveria ser primordial.
O controle de fusões no Brasil é
recente e ainda está sendo assimilado pelos setores público e privado. Embora seja urgente aperfeiçoá-lo, pareceria cauteloso evitar
mudanças demasiadamente
abrangentes, que venham a prejudicar o mercado em vez de protegê-lo.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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