São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Lenta, gradual e de ré

Com a "herança maldita" das dívidas interna e externa, o governo Luiz Inácio Lula da Silva recebeu de presente um câmbio favoravelmente desvalorizado e uma conjuntura internacional extraordinariamente favorável.
Se quisesse enfrentar a "herança", ele tinha dois caminhos a seguir. Ou partia para uma mudança radical (o que seria temerário) ou para uma solução gradativa, que foi o plano apresentado ao país. Ora, por solução gradativa entenda-se um processo de redução progressiva das vulnerabilidades externa e interna. Será que está ocorrendo?
Os dois indicadores fundamentais de desempenho da economia, agora, são o déficit nominal (incluído o serviço da dívida) e as contas externas. O primeiro depende de superávits primários elevados e de taxas de juros reduzidas. O segundo depende de taxas de juros reduzidas e de câmbio desvalorizado. A atuação do Banco Central, de elevar os juros, apreciar o câmbio e não recompor as reservas cambiais pode ter duas explicações: uma discutível, outra que deveria terminar em Comissão Parlamentar de Inquérito.
A discutível é a de permitir aos grandes grupos nacionais liquidar com suas posições em dólares -o que vem ocorrendo de forma acelerada. Aliás, é curiosíssimo isso. Surge essa história de permitir a abertura de contas dolarizadas para criar poupança de longo prazo. E o que se vê é todos os grupos que recorreram ao crédito externo o substituírem por crédito interno ou simplesmente quitá-los com geração de caixa. O que confirma que essa história de contas em dólar é apenas para oficializar a internacionalização da grande poupança interna, não para pavimentar o investimento interno.
A segunda hipótese é que a apreciação do câmbio seja um objetivo em si, para trazer de volta o déficit nas contas correntes -intenção já manifestada por membros do BC. Se for esse o caso, sugere-se que se chame a Polícia Federal e o Ministério Público.
Hoje em dia, já existem dez anos de histórico para que não se aceite mais a falsa premissa de que a criação de déficits externos visava abrir espaço para a poupança externa suplementar a interna. Só os muitos ingênuos, as partes interessadas ou os muito desinformados ainda sustentam essa versão.
Nesse período, muito dólar entrou, muito saiu, e o nível de investimento não saiu do lugar. Houve o chamado "efeito substituição". O dólar que entrava em uma ponta obrigava o Banco Central a enxugar a outra ponta, a do crédito doméstico, por meio de compulsórios elevados, colocação de títulos públicos e juros estratosféricos. Existe enorme poupança interna na indústria de fundos. Só que inteiramente alocada no pagamento da dívida, criada por um modelo que tudo exigiu do país, em troca da promessa de gerar investimento. E os mesmos economistas que colocaram o país nessa armadilha são os que voltam com novas promessas vãs, sendo avalizadas pelos mesmos analistas de sempre.
O que parece é que se está tendo uma caminhada lenta e gradual. Para trás.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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