São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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GESNER OLIVEIRA

O que pode dar errado em 2007/10?


O plano para os próximos 4 anos deve levar em conta como otimizar recursos para acelerar o crescimento


NO ÚLTIMO sábado foi afirmado nesta coluna que o cenário mais provável para 2007-10 é a combinação de ausência de choque externo e continuidade da atual política econômica. É uma visão otimista ou pessimista? Depende. É um copo meio cheio e meio vazio.
É um copo meio cheio porque não se abandonou a preocupação com a estabilidade dos preços. Não se adotou o programa que o PT havia defendido por mais de 20 anos até as vésperas das eleições de 2002. Tampouco se trilhou uma política populista aberta como aquela implementada por Chávez na Venezuela. As conseqüências de uma alternativa desse tipo teriam sido catastróficas para o Brasil.
É um copo meio vazio porque não se fez mais do que repetir a política macroeconômica do governo anterior em uma conjuntura mundial mais favorável e que permitiria uma dose menos conservadora de aperto monetário. O país deixou escapar dessa forma oportunidade de ouro para investir na infra-estrutura produtiva e fazer crescer de maneira sólida a produção e o emprego. O Brasil dormiu no ponto.
Tome-se 2006, por exemplo. O relatório "Perspectiva Econômica Regional - Hemisfério Ocidental, do FMI (Fundo Monetário Internacional)", projeta um crescimento para a América Latina de 4,75%. O ano está acabando e as projeções para o Brasil giram em torno de 3%.
Tudo indica que o Brasil deve continuar atrasado em relação ao ritmo da economia internacional em 2007. O FMI projeta uma expansão para a América Latina da ordem de 4,25% para este ano. Para o Brasil seria razoável esperar taxa inferior, mais próxima de 3%. Enquanto isso o mundo deverá crescer de 4% a 5% no mesmo período.
Em perspectiva histórica, a situação brasileira atual apresenta pontos positivos. A democracia brasileira passou por cinco eleições, um impeachment e várias crises sem nenhuma ameaça de retrocesso institucional. Neste mesmo período, foram superados a crise de endividamento externo contraído nos anos 1970 e que culminou com a moratória nos anos 1980; e a doença da superinflação, que foi crônica durante décadas e chegou a paroxismo na hiperinflação de 1989/90.
Mas é dever de ofício de muitos profissionais adotar atitude cautelosa ao planejar o futuro. É o que se espera de comandantes de aeronaves e administradores de aeroportos, bem como de autoridades responsáveis pela política econômica.
O que pode dar errado? Essa é a pergunta a ser feita nesses casos para identificar fontes de risco com o objetivo de conceber possíveis medidas preventivas. De acordo com o referido estudo do FMI, há alguns fatores que poderiam comprometer o ambiente externo para as economias emergentes: uma desaceleração mais acentuada da economia dos EUA, uma contração dos mercados financeiros globais, uma inversão do ciclo de alta dos preços de commodities e um agravamento de atritos e impasses nas negociações comerciais.
Naturalmente tais variáveis são interdependentes. Uma recessão nos EUA, por exemplo, estaria associada à contração da oferta de capitais, o que, por sua vez, levaria à elevação das taxas internacionais de juros e inversão dos preços de commodities e assim por diante.
No atual estágio da tecnologia, os radares não permitem captar com absoluta precisão e com a devida antecedência a gravidade das turbulências a serem enfrentadas. Nos anos 1990, a ocorrência das crises do México, da Ásia e da Rússia frustraram as expectativas de expansão da economia brasileira. Mas não comprometeram o sentido geral do ajuste. Nos últimos quatro anos, o Brasil tem voado em céu de brigadeiro. A rota escolhida não foi a ideal para chegar a mais crescimento, mas resta o consolo de que não se tentou nenhuma manobra radical. Em tais circunstâncias, basta ligar o piloto automático.
Seria imprudente, para colocar de forma eufemística, continuar a pilotar uma economia dessa forma. Um ponto de partida para planejar a rota dos próximos quatro anos deveria considerar dois aspectos. Em primeiro lugar, como otimizar os recursos existentes para acelerar o crescimento; e, em segundo, como preparar o país para não ser surpreendido pelo fim súbito da bonança externa.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br gesner fgvsp.br


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