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Crise energética ameaça investimentos
Para analistas, insegurança sobre abastecimento afeta planos de empresas e revela desarticulação dentro do governo
Soluções para minimizar sobressaltos no fornecimento de gás só terão efeitos no fim de 2008 ou em 2009, na opinião de especialistas
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
Além de tornar evidente a
ameaça de uma ampla crise
energética, o racionamento de
gás imposto pela Petrobras na
semana passada é fruto da desarticulação do governo, que
não soube conduzir uma política coerente para o setor energético, segundo especialistas.
"O governo manteve a herança da gestão Fernando Henrique Cardoso, que tinha de enfrentar imediatamente a crise,
e o problema foi se avolumando", afirma Luiz Pinguelli Rosa,
ex-presidente da Eletrobrás e
diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia) da
UFRJ. "O modelo melhorou
em alguns aspectos, mas ainda
há muitos buracos", avalia.
Para acadêmicos, consultores e especialistas em energia
de grandes empresas, faltou
uma mão forte que conseguisse
eliminar as disputas entre os
diferentes ministérios e internamente, dentro de cada um
deles. O cabo de guerra travado
entre Meio Ambiente e Minas e
Energia, por exemplo, impediu
a implantação de um programa
energético coerente, dizem.
O mesmo aconteceu dentro
do Ministério de Minas e Energia, com áreas que tentavam
priorizar as termelétricas, enquanto outras buscavam direcionar o gás para indústrias e
automóveis. "Faltou coordenação institucional ao governo",
diz Edmar de Almeida, professor do Grupo de Economia da
Energia da UFRJ. "Cada ministério puxava para um lado, e
não houve um direcionamento
claro da política energética. O
custo político, com o racionamento, será alto."
Uma das principais conseqüências do sobressalto no setor de energia deverá ser a revisão de investimentos pelas empresas. "Quando a indústria
não tem energia barata ou garantida, ou ela produz ela mesma ou vai para outro lugar investir", afirma Almeida.
Para Pinguelli, o efeito econômico de se desligar uma indústria é muito maior do que o
de racionar o combustível de
um carro. "Isso pode afetar o
crescimento econômico e o
emprego", avalia.
Na consultoria PSC e em outras especializadas em energia
e gás, a semana foi atribulada.
Os clientes queriam saber o que
fazer em caso de suspensão do
fornecimento de gás, como resolver problemas jurídicos, como ficariam multas, perda de
eficiência e aumento de custos.
"Este ano e o ano que vem serão
desequilibrados", afirma Luiz
Augusto Barroso, especialista
da PSC. "Em 2009 e 2010, chegará o gás liquefeito, que será
essencial para restaurar o equilíbrio estrutural do setor."
Mercado livre
Outro problema causado pela falta de consistência na política pública da área, para alguns
especialistas, poderá aparecer
no mercado livre de energia,
em que grandes consumidores
e distribuidoras negociam de
forma direta os preços da energia fornecida. Pinguelli diz que
os consumidores livres cresceram muito e diversos deles vão
querer voltar ao sistema cativo,
que pertence a empresas como
Eletropaulo e Light e tem energia contratada a preço fixo. O
preço da energia no mercado livre está muito maior.
"Os consumidores livres são
como um caixote solto dentro
de um avião", diz. "Ninguém sabe o que tem lá dentro ou o impacto que eles podem causar."
Isso porque, explicam os especialistas, o governo não tem
qualquer controle sobre quem
são os consumidores livres,
qual o tamanho da demanda e
se as usinas que têm concessão
estão sendo feitas. "O mercado
livre não deve ser controlado,
mas a indústria não pode assumir a responsabilidade para
que não falte energia", diz Almeida. "Isso cabe ao governo."
As críticas se repetem. "Esse
governo está cometendo o mesmo erro que o anterior, que é
achar que fazer concessão é a
mesma coisa que ter energia na
ponta da linha", afirma José
Goldemberg, professor do IEE
(Instituto de Eletrotécnica e
Energia) da USP. "Concessão é
só a primeira etapa. Depois dela, é preciso um duro acompanhamento e uma forte coordenação." De acordo com ele, a diminuição no fornecimento de
gás é só a ponta do iceberg do
que poderá vir com uma grave
crise de energia.
"Essa crise parece livro do
[Gabriel] García Márquez: é a
crônica de uma morte anunciada", diz Goldemberg. "Se faltar
chuva, vamos ter apagão em
2009 e 2010, como o de 2001."
Para Almeida, além do governo, a Petrobras errou no planejamento. A estatal sabia que
não teria gás suficiente para
atender à demanda, tanto que
renegociou contratos priorizando as termelétricas em detrimento das distribuidoras.
Porém, não foi ágil para antecipar as soluções, que incluem a
importação de gás liquefeito, a
renegociação de fornecimento
com a Bolívia e o aumento da
produção nacional. Tanto no
caso da importação quanto do
incremento do gás brasileiro,
os investimentos só terão efeito no fim de 2008 ou em 2009.
"Até lá, quando faltar chuva ou
gás, teremos um problema."
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