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ARTIGO
Ética nos negócios (ou seria estética?)
JULIO LOBOS
Vez por outra, a comunidade de
negócios cisma com temas espirituais, talvez para desencargo de
consciência. De uns tempos para
cá, tem sido a vez da ética. Da ética
-quem diria!- nos negócios.
Ética é um desses conceitos -tal
como os de honestidade, virgindade ou verdade- que podem ser
entendidos ora "fechados", ora
"abertos". Meu pai, por exemplo,
dizia que ninguém podia ser "mais
ou menos" honesto. Ele via a honestidade, então, como um conceito "fechado". Já pessoas mais sofisticadas, como o presidente da República, reconhecem de viva voz a
existência de várias éticas -a ética
política, por exemplo, seria diferente das outras, quaisquer outras.
A "ética", no seu caso, seria um
conceito "aberto" -"aberto", enfim, à imaginação de quem quisesse manipulá-lo para acomodar dupla ou tripla moralidade.
Para os que interpretam o mundo em termos de "preto e branco",
imaginar ética nos negócios é quase um delírio -algo assim como a
Carla Perez rebolando no meio de
um culto eclesiástico. Afinal, as
coisas apontam, todos os dias, justamente para a direção contrária. E
não me refiro às manchetes policiais hoje reservadas a laboratórios
farmacêuticos multinacionais.
A consciência aética no "business" é menos episódica; ela atinge
a própria ideologia de gestão.
Consulte os best sellers do ramo.
Irá encontrar vários glorificando a
arte da guerra, o pensamento de
Maquiavel ou, acredite, os rituais
da Máfia. E o que dizer da famosa
frase atribuída a mr. Doug Ivester,
presidente mundial da Coca-Cola,
sobre enfiar uma mangueira de
água na boca de um concorrente
que porventura estiver se afogando? Nada ética, convenhamos,
mas, que eu saiba, ela lhe valeu a
admiração e não a repulsa dos seus
pares. Ou do lance da maior empresa de informática do mundo,
que foi condenada a pagar milhões
de dólares em multas por subfaturamento e outras estripulias em
dois países -México (US$ 35 milhões) e Rússia (US$ 8,5 milhões)- e está metida numa portentosa fraude de centenas de milhões de dólares num terceiro, a
Argentina. Entretanto a marca
dessa empresa é venerada pelos
nativos de mais de 60 colônias,
além de ser a terceira mais valiosa
do mundo.
Definitivamente, a única forma
de ver ética nos negócios é fechando os olhos. Aí, sim, as coisas ficam
bem mais fáceis. Some-se a isso
uma pitada de licença semântica, e
o "business as usual" vira quase
uma réplica dos Dez Mandamentos. Vejamos.
1) Uma empresa não mente. Ela
negocia. Ou não foi isso o que se
viu no leilão das teles?
2) As empresas também não corrompem, elas simpatizam. É por
isso que a CPI das empreiteiras, no
rescaldo do escândalo dos "anões
do Orçamento", nunca vingou
nem vai vingar. Afinal, como punir
algumas das mais charmosas corporações do país por distribuir
presentes à população? O fato de
eles terem sido em dinheiro vivo e
terem ido parar nos bolsos de parlamentares não diminui a magnanimidade do gesto.
3) Sabe-se também que as empresas competem. Por isso, não se
engane: quando um fabricante de
bebidas empurra para o dono do
boteco ou da padaria, o seu cliente,
duas caixas de um certo refrigerante ruim por caixa de boa cerveja
que ele compra, isso é, sim, senhor,
competição. Nada a ver com achacar, coagir ou pressionar -absolutamente.
Enfim, o exercício cotidiano de
uma "ética meia-sola" no mundo
dos negócios é produto da natureza mercantilista do próprio, unida
à necessidade que cada empresa
sente -aliás, como qualquer pessoa- de ser aceita socialmente.
Daí que avaliar a conduta ética, no
caso, seja como entrar em um
quarto de espelhos: você sempre vê
o que não é -ou nunca vê o que é.
Copiar o concorrente? Nada disso, faz-se, sim, "benchmarking".
Fraudar o fisco? Nem pensar. Agora, praticar uma tal de "engenharia
tributária" -oferecida a US$ 700
por cabeça em seminários sediados pelos melhores hotéis- pode
e deve. Atentar contra o meio ambiente? Pecado mortal. Nunca sem
autorização da prefeitura. E por aí
vai. Na prática, trata-se da ética como se estética fosse, ou seja, uma
tentativa de sugerir beleza onde
não há.
A questão é: poderia ser diferente? Se as empresas abdicassem de
levar vantagem em tudo o que fazem, quer seja em relação a clientes, fornecedores, governo, empregados... conseguiriam sobreviver?
A resposta a essa pergunta é tão
previsível quanto impublicável.
Para despistar, então, organizam-se debates, consultam-se cientistas
sociais e dão-se exemplos ("cases",
com licença) inexpressivos, apenas para induzir os leigos a pensar
que ela, a resposta, poderia ser outra.
Enfim, palmas para os que se
preocupam seriamente com injetar ética no mundo dos negócios.
Apenas vejo esse esforço com melancolia. No fundo, acabam fazendo o jogo do "business establishment". Pois a sua movimentação,
embora honrosa, sugere que muitos por ali se importam com isso, o
que definitivamente não é verdade
-desde os tempos anteriores à invenção do dinheiro, lá na Mesopotâmia.
Julio Lobos, 52, PhD em Relações Industriais pela Universidade de Cornell (EUA), é consultor de
empresas e autor de "A Participação dos Trabalhadores nos Lucros das Empresas".
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