São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mais competição e mais solidariedade

ANTONIO BARROS DE CASTRO

O mundo globalizado tem se mostrado crescentemente instável. Num artigo publicado na revista da Cepal em dezembro de 2001, Arturo O'Conell assim resume esse perverso movimento: "Houve seis crises em cerca de 25 anos, mas quatro se deram nos dez últimos anos, três nos últimos cinco anos e dois nos últimos três".
Para as empresas, no entanto, o tipo de instabilidade a que acabo de me referir é apenas um aspecto do problema. Isso porque, além da instabilidade a que estão sujeitas as economias nacionais e o mundo como um todo, elas têm que enfrentar um brutal acirramento da competição -que leva a instabilidade ao varejo da sua experiência cotidiana. E, para enfrentar a instabilidade imposta pela competição (que se acrescenta à do contexto), deve incessantemente reduzir custos fixos, agilizar decisões, melhor focalizar o seu domínio de atividades, cooperar para certos efeitos -e competir, agressivamente, para outros. Deve, em suma, cultivar o que poderíamos denominar de tolerância zero ao erro e à perda de oportunidades.
Dado o anterior e admitido que a essas alturas ninguém mais deposita sérias esperanças na criação de uma ordem mundial razoavelmente estável, justa e acolhedora, qual deveria ser a agenda maior de uma economia como a brasileira?
Para tentar uma resposta, admitamos que a economia brasileira possa ser caracterizada presentemente por três marcantes traços. Ela é excepcionalmente frágil diante dos distúrbios que acompanham o processo de globalização; logrou enormes avanços na modernização de suas empresas; e continua ostentando chocante desigualdade social.
Ante o primeiro traço, a resposta é tentar sair da linha de tiro da instabilidade internacional. Para tanto, a condição maior é uma reviravolta capaz de reduzir, drasticamente, a dependência de recursos externos. No caso brasileiro (ainda quando flagrantemente incompleta), ela se encontra em pleno curso, sem que a economia tenha, para tanto, retrocedido -como em outros ajustamentos rápidos.
O segundo traço deve ser comemorado e substituído por um novo desafio: conseguir que as empresas ultrapassem a mera replicação de produtos atualizados, como até recentemente (em regra) se deu. Para tanto, são necessários, além da preservação de um câmbio favorável, pequenos apoios e incentivos, destacadamente no plano tecnológico -o que inclui (em determinados casos) a socialização de riscos e a parceria com as universidades. O objetivo é, no caso, ajudá-las a erguer microbarreiras em torno de seus produtos -para que possam perseguir trajetórias evolutivas próprias, oferecendo bons retornos e gerando bons salários.
O terceiro traço recomenda o combate e a compensação das privações e desvantagens enfrentadas pelos pobres, bem como a rápida e integral eliminação da indigência. Isso, em alguma medida, já vem sendo feito pelo atual governo e poderá adquirir renovado fôlego na próxima administração.
Seria esse compactado programa compatível com o capitalismo globalizado/turbinado dos nossos dias?
Parece-me que sim, ainda que por diferentes caminhos.
Primeiramente porque uma das características maiores do capitalismo no seu novo estágio é o permanente barateamento de produtos -o que facilita a transição para a economia de consumo de massas. Além disso, porque o capitalismo hipercompetitivo leva à necessidade de participação e do envolvimento de trabalhadores, fornecedores e clientes. Aproximar-se da tolerância zero ao erro exige, em suma, mais participação e solidariedade.
Finalmente, a grande hipótese aqui é que seja possível respeitar as lógicas da produção, da competição e da inovação e, em simultâneo, redistribuir corretivamente a renda. Esse tipo de visão, segundo a qual as lógicas da produção e da competição devem ser respeitadas, mas a ela podem ser sobrepostos, dentro de limites, diferentes programas no tocante à distribuição da renda, foi proposta há cerca de 150 anos por John Stuart Mill.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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