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BENJAMIN STEINBRUCH
Gastar como se fosse o próprio dinheiro
Gastar bem, como se
o dinheiro estivesse
sempre saindo do próprio
bolso, é a melhor receita
Esta é a receita que deveria ser seguida
por qualquer administrador, principalmente o público
APARECERAM nos radares de
um número razoável de analistas sinais preocupantes de
um aumento dos gastos no segundo
mandato de Lula. Argumentam essas pessoas que o governo não conta
mais com a administração fiscalmente responsável, que marcou os
primeiros anos do atual governo.
As críticas se avolumaram depois
que o presidente, em entrevista ao
"Globo", deu a entender que o governo vai aumentar gastos. "Se fosse
possível fazer a máquina funcionar
diminuindo dinheiro, seria ótimo",
disse Lula, para em seguida considerar correta a tese de que o Estado
brasileiro "é raquítico".
As preocupações com a gastança
pública são legítimas. Seja ou não raquítico, o Estado brasileiro, tradicionalmente, gasta mal. A qualidade do
gasto deveria ser o foco principal
dessas preocupações. Mas também
faz sentido seguir a célebre determinação de Tancredo Neves no discurso de posse que ele escreveu, mas
não leu: "É proibido gastar".
Quem já foi responsável por administrar alguma entidade, pública ou
privada, sabe que o sucesso da gestão
é a discussão sobre gastos. Coibi-los,
tanto em empresas quanto em governos, é engessar pernas e braços,
tolher o crescimento e comprometer
o futuro. "É proibido gastar mal" é a
determinação óbvia de administradores responsáveis. Acionistas devem cobrar isso dos gestores empresariais. Cidadãos devem exigir o
mesmo de prefeitos, governadores e
presidentes.
Gastar bem no setor público significa investir em áreas vitais para sustentar o crescimento da economia e
o bem-estar da população, principalmente em infra-estrutura, saúde e
educação, e cortar despesas correntes supérfluas.
Na semana passada, saíram os dados sobre setor público brasileiro
nos primeiros dez meses de 2007. E
eles são preocupantes. De janeiro a
outubro, União, Estados, municípios
e estatais arrecadaram R$ 107 bilhões a mais do que gastaram com
despesas primárias. Quem olha esse
número imagina que o setor público
nada em dinheiro no país. Engano.
As despesas primárias não incluem
os gastos com juros da dívida. Nos
dez meses, os governos pagaram R$
135 bilhões em juros, gasto que consumiu todo o superávit primário e
deixou um déficit de R$ 28 bilhões.
Não há espaço para rediscutir a razão dessa monumental conta de juros. Basta lembrar que uma delas, a
principal, é a manutenção de uma taxa básica irracionalmente elevada
-11,25% ao ano, nível que o BC deve
manter na reunião de amanhã. O fato é que fica difícil falar em gastar
bem no setor público quando se tem
uma carga de juros desse tamanho.
O que se pagou em juros de dívidas
públicas só em outubro (R$ 15,8 bilhões) supera o valor dos investimentos -gastos bons- feitos pela
União nos dez primeiros meses do
ano, R$ 14,24 bilhões. Reconheça-se
que houve um crescimento importante no volume dos investimentos
neste ano, de quase 30%. Mesmo assim, esse valor representa apenas
36% do autorizado. Na área do PPI
(Projeto Piloto de Investimento), os
desembolsos atingiram R$ 3,1 bilhões, apenas 27,4% da meta do ano,
de R$ 11,3 bilhões.
É preciso investir, sem dúvida,
tanto no setor público quanto no
privado. O discurso genérico contra
gastos não faz bem ao país. Reprime
a ousadia e leva ao comodismo, ao
conservadorismo, à retranca e ao retrocesso. Gastar bem, como se o dinheiro estivesse sempre saindo do
próprio bolso, é a melhor receita.
BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente
da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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