São Paulo, terça-feira, 04 de dezembro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Gastar como se fosse o próprio dinheiro

Gastar bem, como se o dinheiro estivesse sempre saindo do próprio bolso, é a melhor receita

Esta é a receita que deveria ser seguida por qualquer administrador, principalmente o público

APARECERAM nos radares de um número razoável de analistas sinais preocupantes de um aumento dos gastos no segundo mandato de Lula. Argumentam essas pessoas que o governo não conta mais com a administração fiscalmente responsável, que marcou os primeiros anos do atual governo.
As críticas se avolumaram depois que o presidente, em entrevista ao "Globo", deu a entender que o governo vai aumentar gastos. "Se fosse possível fazer a máquina funcionar diminuindo dinheiro, seria ótimo", disse Lula, para em seguida considerar correta a tese de que o Estado brasileiro "é raquítico".
As preocupações com a gastança pública são legítimas. Seja ou não raquítico, o Estado brasileiro, tradicionalmente, gasta mal. A qualidade do gasto deveria ser o foco principal dessas preocupações. Mas também faz sentido seguir a célebre determinação de Tancredo Neves no discurso de posse que ele escreveu, mas não leu: "É proibido gastar".
Quem já foi responsável por administrar alguma entidade, pública ou privada, sabe que o sucesso da gestão é a discussão sobre gastos. Coibi-los, tanto em empresas quanto em governos, é engessar pernas e braços, tolher o crescimento e comprometer o futuro. "É proibido gastar mal" é a determinação óbvia de administradores responsáveis. Acionistas devem cobrar isso dos gestores empresariais. Cidadãos devem exigir o mesmo de prefeitos, governadores e presidentes.
Gastar bem no setor público significa investir em áreas vitais para sustentar o crescimento da economia e o bem-estar da população, principalmente em infra-estrutura, saúde e educação, e cortar despesas correntes supérfluas.
Na semana passada, saíram os dados sobre setor público brasileiro nos primeiros dez meses de 2007. E eles são preocupantes. De janeiro a outubro, União, Estados, municípios e estatais arrecadaram R$ 107 bilhões a mais do que gastaram com despesas primárias. Quem olha esse número imagina que o setor público nada em dinheiro no país. Engano.
As despesas primárias não incluem os gastos com juros da dívida. Nos dez meses, os governos pagaram R$ 135 bilhões em juros, gasto que consumiu todo o superávit primário e deixou um déficit de R$ 28 bilhões. Não há espaço para rediscutir a razão dessa monumental conta de juros. Basta lembrar que uma delas, a principal, é a manutenção de uma taxa básica irracionalmente elevada -11,25% ao ano, nível que o BC deve manter na reunião de amanhã. O fato é que fica difícil falar em gastar bem no setor público quando se tem uma carga de juros desse tamanho.
O que se pagou em juros de dívidas públicas só em outubro (R$ 15,8 bilhões) supera o valor dos investimentos -gastos bons- feitos pela União nos dez primeiros meses do ano, R$ 14,24 bilhões. Reconheça-se que houve um crescimento importante no volume dos investimentos neste ano, de quase 30%. Mesmo assim, esse valor representa apenas 36% do autorizado. Na área do PPI (Projeto Piloto de Investimento), os desembolsos atingiram R$ 3,1 bilhões, apenas 27,4% da meta do ano, de R$ 11,3 bilhões.
É preciso investir, sem dúvida, tanto no setor público quanto no privado. O discurso genérico contra gastos não faz bem ao país. Reprime a ousadia e leva ao comodismo, ao conservadorismo, à retranca e ao retrocesso. Gastar bem, como se o dinheiro estivesse sempre saindo do próprio bolso, é a melhor receita.


BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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