São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Recessão e heterodoxia


O governo Obama terá de patrocinar uma política fiscal heterodoxa e fortemente expansionista

HOJE QUERO falar um pouco do desastre econômico aqui nos Estados Unidos. Tudo começou com a esplêndida turma da bufunfa. A economia americana foi transformada em uma imensa Los Angeles. Como observou Keynes, "quando o desenvolvimento de um país se torna o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho será provavelmente malfeito".
Vários anos de especulação desenfreada levaram os Estados Unidos (e com eles boa parte do resto do mundo) à maior crise financeira desde a Grande Depressão da década de 1930. A crise financeira provocou o colapso da oferta de crédito e da demanda agregada, jogando a economia numa recessão.
Agora, os Estados Unidos correm o risco de mergulhar na mais grave recessão desde os anos 30. Os mais pessimistas prevêem depressão e deflação. Já há algum tempo se podia perceber que o grande perigo era a formação de um círculo vicioso entre instabilidade financeira e queda dos níveis de atividade e de emprego.
Aconteceu o que se temia. O círculo vicioso está instalado. A crise financeira produziu recessão, e a recessão realimenta os problemas do sistema financeiro, o que gera novos impactos recessivos.
As autoridades monetárias e fiscais têm feito o possível e até o inimaginável para tentar sair dessa armadilha. Desde o final do ano passado, medidas extraordinárias vêm sendo adotadas. A política econômica americana tem se tornado cada vez mais heterodoxa -as cautelas tradicionais estão sendo abandonadas uma a uma, na tentativa desesperada de evitar o pior. Se políticas semelhantes fossem adotadas aí no Brasil, o Ministério da Fazenda e o Banco Central seriam condenados em praça pública como ignorantes e irresponsáveis.
Mas os Estados Unidos são um caso especial. Podem fazer o diabo e ainda colher elogios pela rapidez com que respondem a desafios.
A política financeira americana conduziu a uma intervenção gigantesca do Estado nos mercados financeiros. As tradicionais preocupações com "risco moral" ("moral hazard") e a disciplina do mercado foram deixadas em segundo plano.
Na hora do aperto, os bufunfeiros -normalmente defensores fervorosos do livre mercado- apelaram para o socorro oficial. O mais recente pacote de resgate foi para o Citigroup, banco que na crise da dívida da década de 1980 coordenou vários comitês de credores e se destacava por exigir pesados pagamentos e medidas drásticas de ajustamento dos países devedores em apuros.
A política monetária americana também tem sido extremamente heterodoxa. A taxa de juro básica foi reduzida para quase zero. Além disso, o Federal Reserve expandiu a liquidez com grande agressividade, criou novas linhas e flexibilizou as regras de acesso a seus financiamentos.
Apesar disso tudo, a economia continua piorando a cada semana que passa. Para reativar o crédito e a demanda, é provável que o Federal Reserve seja levado a medidas ainda mais heterodoxas.
Já se sabe, entretanto, que a política monetária sozinha não dará conta do recado. O governo Obama terá de patrocinar uma política fiscal heterodoxa e fortemente expansionista. O que se verá, provavelmente, é um grande crescimento do déficit público -única maneira de contrabalançar a acentuada contração do consumo e do investimento privados. Não há doutrina que sobreviva a uma emergência.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net



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