São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Nada de pânico ainda, por favor


Saída de dólares é quase tão grande quanto a de 99, mas PIB e receitas externas do Brasil são hoje muito maiores

FOI HORRÍVEL , "recorde" e "alarmante" a saída de dólares do Brasil em novembro? Foi horrível. "Recorde" já é bem relativo, e o "alarmante" fica ao gosto e ao ânimo do freguês -em economia, um mês apenas em geral não faz história, tal qual andorinhas e o verão.
A diferença entre a quantidade de dólares que saíram e entraram do país foi negativa em uns US$ 7,2 bilhões no mês passado. Isso é chamado de "saldo do movimento de câmbio". Entram na conta tanto o comércio exterior (exportação e importação) como as entradas e saídas de capital. Isso quer dizer que o saldo comercial vem diminuindo, e, mais importante, não-residentes no Brasil sacam lucros e investimentos em Bolsa, fundos, dívida pública etc.
Tal conta não ficava no vermelho, em tal monta, desde janeiro de 1999.
Naquele mês, como se sabe, ia então à breca o regime de câmbio quase-fixo do primeiro governo FHC e o real forte fraquejava. O Brasil quebrara pouco antes, indo ao FMI. O saldo cambial ficara negativo em US$ 8,6 bilhões naquele janeiro. Mas a economia brasileira e suas receitas externas eram também menores.
Em janeiro de 1999, a receita de exportações era de US$ 50 bilhões (acumulada em 12 meses). Agora, é de US$ 198 bilhões -o quádruplo. O saldo comercial (diferença entre exportações e importações) era negativo em US$ 6,6 bilhões; agora é positivo em US$ 26 bilhões (também em 12 meses). Para piorar o balanço para 1999, o PIB era menor. Em termos nominais, em dólares e reais da época, equivalia a pouco menos de US$ 600 bilhões. Agora, deve estar em torno de US$ 1,4 trilhão.
A receita da conta corrente era de US$ 64 bilhões. Agora, é de US$ 245 bilhões (em 12 meses). A conta corrente registra o saldo do comércio exterior, e de pagamentos e recebimentos de serviços e rendas (não conta capitais). É uma medida razoável da capacidade de um país gerar receitas a fim de pagar suas contas externas. Desde o início do ano, o Brasil voltou a ter déficit em conta corrente, ora em torno de 1,8% do PIB. Em janeiro de 1999, estava em estratosféricos 4,1% do PIB. E as reservas haviam se esvaído na defesa doida do real forte e com a fuga de investidores, devido aos temores da queda iminente do real. O país hoje tem reservas de US$ 200 bilhões.
Tudo lindo? Claro que não. A crise de 1999 era "dos emergentes" e muito menos grave do que a atual. O presente tumulto começou e é mais forte nos países centrais e atinge o mundo inteiro. Não temos como avaliar o quanto vai durar a seca de crédito mundial, em quanto vão cair os investimentos internacionais e sabemos que o comércio mundial vai, na melhor das hipóteses, estagnar. Logo, podemos ter ainda muitas más notícias no que diz respeito às contas externas.
Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais forçar demais a barra do crescimento do PIB pode ser um tiro no pé. Dependemos de fluxo de investimentos externos e de exportações para financiar nossas carências de capital e de oferta doméstica de produtos. Se consumirmos demais em período de crise mundial, teremos déficit externo maior e/ou inflação maior, embora não possamos deixar a peteca cair demais. Mas vamos "panicar" pelos motivos certos (como dizem os franceses, "paniquer").

vinit@uol.com.br



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