São Paulo, terça, 5 de janeiro de 1999

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LUÍS NASSIF

O gerente da crise

A manifestação de FHC, em seu discurso de posse, de não pretender ser o "gerente da crise", mas muito mais, lembra as formulações do ideal, vindas de adolescentes ou intelectuais apartados da realidade. O que o presidente pretende é uma coisa, como vai obter é outra. E não está claro nem sequer o que o presidente pretende, quanto mais como vai obter.
FHC quer um país moderno, civilizado, globalizado. E quem não quer? O desafio é explicar como se chega lá. O país não demanda mais conceitos genéricos, mas planos estratégicos e metas objetivas. A melhor marca de modernidade que poderia implementar seria substituir o bacharelismo, que sempre dominou a vida pública nacional, por objetivos claros, com relações de causa e efeito definidas e prazos e metas a ser cumpridos. Onde estão os objetivos, os prazos e as metas? Estão diluídos em um discurso generalista, desmobilizador, que encanta alguns salões internacionais, mas perdeu o poder de mobilização interna.
O descrédito quanto à capacidade de ação do governo tomou até o círculo mais íntimo de amigos do presidente. Esse será o grande desafio do segundo governo: devolver a confiança em sua capacidade de construir o novo.
FHC dispõe de um conjunto único de condições para reformar o país. Tem credibilidade (ainda), idoneidade, base de apoio político, condições internacionais, um país que avançou substancialmente na assimilação de novos conceitos. Mas pouco faz com esses elementos.
Sua visão de futuro limita-se a uma abordagem quase supersticiosa do déficit público -a mesma visão que tinha, aliás, das reformas constitucionais, que lhe permitiu ficar quatro anos empurrando a crise com a barriga, crente de que um país se constrói apenas com mudanças constitucionais. Agora continua a empurrar com a barriga, nessa crença anticientífica (porque não calcada na análise da realidade) de que basta resolver a questão do déficit público para todos os horizontes se abrirem e o país realizar sua vocação de potência do próximo milênio.
Não há nenhuma evidência empírica de que corrigindo-se o déficit interno o país obterá condições de crescer novamente, tendo no pescoço o torniquete do déficit externo. Mas FHC acredita. O intelectual respeitado internacionalmente abre mão de evidências, perde a capacidade de questionar teorias e simplesmente acredita.
Não será com discursos voluntaristas que FHC devolverá ao país a capacidade de sonhar. O melhor a fazer é reunir o novo ministério em janeiro, definir uma linha de ação clara, cobrar metas e prazos de cada área e apresentar um plano de ação definido. Fora isso, não terá gogó que devolva a crença no governo.
Do Ministério da Educação e do Desporto, por exemplo, cobre- se para fevereiro o plano de autonomia das universidades federais, e, para os próximos dois anos, um cronograma objetivo, de como pretenderá implementar o plano. Do Ministério da Produção e da Apex (Agência de Promoção das Exportações), cobre-se e apresente ao país metas objetivas de constituição de consórcios exportadores.
Do Ministério de Ciência e Tecnologia, um plano de articulação dos institutos financiadores de pesquisa e metas objetivas de registro de patentes para os próximos quatro anos. Do novo Ministério do Turismo, o aprofundamento do belo trabalho iniciado pela Embratur, de organização do turismo em nível municipal, e metas de cidades com seus planos de turismo completos.
Enfim, todo ministério tem que apresentar um plano de ação e metas objetivas, que possam ser acompanhadas e cobradas pela opinião pública. Caso contrário, o segundo governo FHC será a repetição do primeiro: um álibi (aguardar reformas constitucionais, aguardar equilíbrio do déficit público, aguardar a divulgação da terceira profecia de Fátima) cercado de não-ação por todos os lados.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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