São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

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Crise segura ciclo de ganho real de salários

Dieese prevê queda nos setores com reajustes anuais acima da inflação e aumento nos com ganho igual ou menor que o INPC

Receita menor das empresas e as incertezas do cenário econômico dificultam as negociações salariais após cinco anos de ganhos reais


Danilo Verpa/Folha Imagem
Costureira em frente à fábrica de malha em São Paulo

VERENA FORNETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A crise econômica deve encerrar o ciclo de ganhos reais crescentes obtidos pelos trabalhadores brasileiros desde 2004. É o que indica levantamento da Folha com alguns sindicatos que negociaram reajustes após novembro -quando os efeitos da crise começaram a ser sentidos de forma mais acentuada no Brasil- e projeções de especialistas.
De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), há cinco anos a maioria das negociações entre empresários e trabalhadores teve reajustes acima da inflação. Em 2007, houve ganho real em quase 90% dos casos, o maior percentual desde 1996.
O Dieese não divulgou os resultados do segundo semestre do ano passado, mas Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do instituto, confirma já ter verificado a tendência de reajuste menor. "É provável que haja queda no número de negociações que têm ganhos acima da inflação e aumento nas que obtêm reajuste igual ou menor que o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor)."
O crescimento da massa dos rendimentos (volume que as famílias dispõem para os gastos) conseguido a partir de 2004 foi um dos principais motores do aumento do consumo e do crescimento econômico.
Com a perspectiva de desaceleração econômica, diz Lúcio, a pauta dos sindicatos deve migrar da defesa de reajustes elevados para a manutenção do emprego. "Será difícil negociar aumento com empresários que propõem até redução de jornada e diminuição de salário."
Em algumas convenções em curso, sindicatos receberam propostas de aumento de 1% -percentual muito inferior à inflação medida pelo INPC, que fechou 2008 em 6,48%. Em outras categorias, negociações que deveriam ter se encerrado no ano passado ainda se arrastam porque não há consenso. É o caso dos sindicatos que representam trabalhadores das empresas de táxi aéreo.
"Enviamos a pauta de negociação em outubro. Não havia essa crise. Era uma marolinha ainda. No meio da negociação, a crise explodiu, e os empresários se negaram a discutir resultados de 2007 e 2008", afirma Graziella Baggio, presidente do sindicato dos aeronautas.
As empresas de táxi aéreo ofereceram entre 1,5% e 2% de aumento. Há empresas que anteciparam um aumento de 4% -também inferior ao INPC.
Sérgio Marques, presidente do sindicato da fiação e tecelagem de São Paulo, afirma que as reuniões sobre o reajuste para os trabalhadores em malharia estão emperradas desde novembro. "Há casos em que tivemos que fechar direto com as empresas porque estava difícil com o sindicato patronal."
Os empresários argumentam que a crise reduziu ganhos e gera incertezas. "Precisamos levar em conta o cenário internacional. Há perda de atividade da indústria e fomos forçados a dispensar trabalhadores. Como vamos oferecer ganhos reais nessas circunstâncias?", diz Heitor Klein, diretor-executivo da Abicalçados, que representa os empresários do setor. As negociações sobre reajustes na categoria estão atrasadas com o sindicato de Sapiranga (RS), que representa 20 mil funcionários, e com o sindicato dos calçadistas de Franca (SP), com aproximadamente 25 mil trabalhadores.
A associação dos calçadistas de Franca pleiteia 17% de correção, mas os empresários, por enquanto, ofereceram 1% de aumento nominal. "Isso foi muito mais uma provocação dos empresários do que qualquer outra coisa. Não aceitamos aumento de 1%, e eles ainda não fizeram uma proposta que possa gerar acordo", afirma Paulo Afonso Ribeiro, presidente do sindicato que representa 14 cidades na região e que tem data-base em fevereiro.
Outras categorias que conseguiram repor a inflação não repetiram os ganhos reais obtidos em 2008. A entidade que representa os trabalhadores em processamento de dados no Estado de São Paulo fechou um reajuste de 7,1% no mês passado, índice 0,62 ponto percentual maior que o INPC de 2008. Em janeiro de 2008, o reajuste obtido havia superado em 0,94 ponto percentual o índice do IBGE acumulado em 12 meses até janeiro, data-base da categoria. Os vidreiros de São Paulo também reclamam que perderam ganho real na convenção de dezembro de 2008.
Há grupos de trabalhadores, no entanto, que conseguiram aumentar os ganhos reais de salário no fim do ano passado ou no início deste ano. Os gráficos do Paraná e os empregados no comércio no Ceará obtiveram reajustes reais superiores ao da negociação anterior.
Os especialistas do Dieese argumentam, porém, que as datas-base dos maiores sindicatos ainda estão por começar, e a tendência é que os reajustes apenas reponham a inflação.


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