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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
FMI é palco de novo
conflito entre potências
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
Na semana passada comentamos o problema de autoridade e
legitimidade enfrentado pela
OMC (Organização Mundial do
Comércio). Um diplomata de
uma das mais importantes embaixadas brasileiras mandou-me
um e-mail fazendo alertas importantes sobre a questão.
Segundo o diplomata, nas reuniões decisórias em organizações
internacionais, em Genebra, em
Washington e alhures, o que acaba saindo em nome da organização é na verdade decisão de um
certo grupo de países, sobretudo
no caso do FMI.
Outro alerta importante, com
relação à OMC, é que as decisões
draconianas anunciadas nas últimas semanas resultaram de "panels", arbitragens conduzidas por
diplomatas e técnicos de vários
países e não resoluções emanadas
da burocracia da OMC.
Esses esclarecimentos, feitos
por quem atua diretamente em
processos de negociação internacionais, tornam ainda mais aguda
a percepção de uma crise de autoridade e legitimidade na OMC.
Em outras palavras, nem a burocracia consegue dar direção à
organização nem os seus filiados
atuam com base nas resoluções
que têm sido negociadas no foro.
Sem autoridade nem legitimidade, com um déficit de representação (resultado da ausência da
China, "player" decisivo no comércio internacional), a OMC,
seus burocratas, os membros de
"panels" e as burocracias dos países-membros atuam no escuro.
Pior portanto que uma desforra
pelo fracasso de Seattle, há também uma fragilidade institucional
e uma falta de parâmetros que,
afinal, ajudam a entender como é
possível que venham à luz decisões tão absurdas como obrigar
uma empresa nacional a ressarcir
todos os recursos com que foi
subsidiada ao longo de anos.
Sem cacife para legislar sobre o
futuro, é como se o progresso dependesse de um gigantesco acerto
de contas com o passado.
Diante do susto de Seattle, onde
interesses sociais e empresariais
concretos subitamente se tornaram públicos, o sistema de "gabinetes no escuro" que compõem o
sistema político mundial revela-se ainda mais frágil.
Mas é importante reafirmar
que, nessa crise de legitimidade
em escala mundial, a OMC não
passa de mais um caso.
O mesmo impasse está patente
em outra instituição, o FMI.
Na semana passada, depois de
forçar uma consulta interna para
tentar viabilizar o vice-ministro
alemão Caio Koch-Weser como
substituto de Michel Camdessus
no FMI, os europeus foram derrotados no plenário.
Ato contínuo, alemães e burocratas da União Européia declaravam-se ainda em campanha por
Koch-Weser, apesar da derrota
na urna. Foi o mais votado, mas
não teve maioria, sem o apoio dos
EUA e abstenções de mais de um
terço dos membros do board do
FMI. Seria patético, não estivesse
em jogo a hegemonia dos EUA no
tabuleiro internacional.
O conflito de interesses é portanto sério e afeta os pilares da ordem institucional criada no pós-guerra. O risco de desrespeito a
normas mínimas de legitimidade
e civilidade cresce dia a dia, como
sugerem o ranger de dentes dos
europeus (cuja moeda, aliás, continua sob suspeita).
O que está em jogo não é a nomeação de um novo Papa, autoridade cuja legitimidade é uma
questão de fé. É o redesenho de
um sistema de poder cuja eficácia
depende de respeito a regras mínimas de representatividade e solidariedade. Nem as regras estão
claras, a essa altura da crise.
Mais até que numa igreja, dependem hoje de muita fé as expectativas dos crentes no reordenamento mundial com mais
prosperidade num ambiente de
liberalização comercial.
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