São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
FMI é palco de novo conflito entre potências

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Na semana passada comentamos o problema de autoridade e legitimidade enfrentado pela OMC (Organização Mundial do Comércio). Um diplomata de uma das mais importantes embaixadas brasileiras mandou-me um e-mail fazendo alertas importantes sobre a questão.
Segundo o diplomata, nas reuniões decisórias em organizações internacionais, em Genebra, em Washington e alhures, o que acaba saindo em nome da organização é na verdade decisão de um certo grupo de países, sobretudo no caso do FMI.
Outro alerta importante, com relação à OMC, é que as decisões draconianas anunciadas nas últimas semanas resultaram de "panels", arbitragens conduzidas por diplomatas e técnicos de vários países e não resoluções emanadas da burocracia da OMC.
Esses esclarecimentos, feitos por quem atua diretamente em processos de negociação internacionais, tornam ainda mais aguda a percepção de uma crise de autoridade e legitimidade na OMC.
Em outras palavras, nem a burocracia consegue dar direção à organização nem os seus filiados atuam com base nas resoluções que têm sido negociadas no foro.
Sem autoridade nem legitimidade, com um déficit de representação (resultado da ausência da China, "player" decisivo no comércio internacional), a OMC, seus burocratas, os membros de "panels" e as burocracias dos países-membros atuam no escuro.
Pior portanto que uma desforra pelo fracasso de Seattle, há também uma fragilidade institucional e uma falta de parâmetros que, afinal, ajudam a entender como é possível que venham à luz decisões tão absurdas como obrigar uma empresa nacional a ressarcir todos os recursos com que foi subsidiada ao longo de anos.
Sem cacife para legislar sobre o futuro, é como se o progresso dependesse de um gigantesco acerto de contas com o passado.
Diante do susto de Seattle, onde interesses sociais e empresariais concretos subitamente se tornaram públicos, o sistema de "gabinetes no escuro" que compõem o sistema político mundial revela-se ainda mais frágil.
Mas é importante reafirmar que, nessa crise de legitimidade em escala mundial, a OMC não passa de mais um caso.
O mesmo impasse está patente em outra instituição, o FMI.
Na semana passada, depois de forçar uma consulta interna para tentar viabilizar o vice-ministro alemão Caio Koch-Weser como substituto de Michel Camdessus no FMI, os europeus foram derrotados no plenário.
Ato contínuo, alemães e burocratas da União Européia declaravam-se ainda em campanha por Koch-Weser, apesar da derrota na urna. Foi o mais votado, mas não teve maioria, sem o apoio dos EUA e abstenções de mais de um terço dos membros do board do FMI. Seria patético, não estivesse em jogo a hegemonia dos EUA no tabuleiro internacional.
O conflito de interesses é portanto sério e afeta os pilares da ordem institucional criada no pós-guerra. O risco de desrespeito a normas mínimas de legitimidade e civilidade cresce dia a dia, como sugerem o ranger de dentes dos europeus (cuja moeda, aliás, continua sob suspeita).
O que está em jogo não é a nomeação de um novo Papa, autoridade cuja legitimidade é uma questão de fé. É o redesenho de um sistema de poder cuja eficácia depende de respeito a regras mínimas de representatividade e solidariedade. Nem as regras estão claras, a essa altura da crise.
Mais até que numa igreja, dependem hoje de muita fé as expectativas dos crentes no reordenamento mundial com mais prosperidade num ambiente de liberalização comercial.



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