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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Abertura financeira e crescimento
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Nos dias de hoje -tal como
nas três últimas décadas do século 19- não são as transações
em bens e serviços que determinam a trajetória do balanço de
pagamentos, mas sim a entrada
e saída de capitais.
Diante dos movimentos de arbitragem e da formação de posições especulativas nos mercados
"globalizados" de moedas e de
ativos, os países da periferia têm
posição desconfortável. Dotados
de moedas sem reputação, aquelas que não são demandadas
nos negócios entre nacionais de
terceiros países, as economias
ditas emergentes encontram-se
diante do risco permanente de
crises cambiais e financeiras.
Na prática, para manter a
abertura da conta de capitais do
balanço de pagamentos, os
emergentes estão obrigadas a escolher, nestes tempos da finança
liberalizada, entre a introdução
de controles cambiais e a submissão à política monetária do
país ou países de moeda dominante.
A submissão absoluta está
concretizada nos regimes de
"currency board" ou na adoção
pura e simples da moeda estrangeira. Na maioria das vezes, a
capitulação foi o desfecho de
uma fuga desesperada para escapar às agruras de um sistema
monetário destruído pela hiperinflação. Adotando tais soluções, esses países renunciaram à
soberania monetária e entregaram as funções de administração do crédito, de provedor de liquidez e de "emprestador" de
última instância a um banco
central estrangeiro. Coerentemente, trataram de vender o sistema bancário para os estrangeiros.
A perda completa de controle
sobre a política monetária e de
crédito vem determinando o alinhamento passivo dos ciclos de
expansão e declínio da economia nacional às expectativas
dos administradores da riqueza
"globalizada" e da liquidez internacional. Dada a fragilidade
"estrutural" do balanço de pagamentos e, portanto, de suas
moedas, as economias periféricas "dolarizadas" ficam expostas às ondas de otimismo e pessimismo inerentes aos mercados
"globalizados".
Os surtos eufóricos de liquidez
fácil e de endividamento externo -acompanhado de elevação
dos preços dos ativos (inclusive
do câmbio)- são seguidos de
"crises de confiança" e de profundos ajustamentos recessivos.
Na era da integração e da liberalização financeiras, a instabilidade nas economias periféricas, como Janus, se apresenta
com duas faces: uma, a máscara
da inflação elevada e renitente,
como a que se seguiu à crise da
dívida externa do início dos
anos 80; outra, a careta das violentas flutuações do produto e
do emprego, típicas da década
dos 90.
Alguns países da periferia vêm
tentando escapar dessa camisa-de-força, preferindo correr os
riscos de uma maior liberdade
na gestão de sua moeda. O Brasil, por exemplo, pretende ter ingressado num regime de câmbio
flexível. Um dos argumentos esgrimidos pelos partidários do
câmbio flutuante é a possibilidade de liberar a política monetária (leia-se a taxa de juros) das
funções relacionadas com o
ajustamento do balanço de pagamentos. Os movimentos de
valorização/desvalorização do
câmbio ficariam encarregados
de cumprir esse papel.
A disparada do câmbio e a
ameaça de aumento das taxas
de inflação, logo depois da desvalorização do real, em janeiro
de 1999, mostraram os riscos
desse cometimento num país
com elevado passivo externo e
cujo setor privado "carrega"
uma massa apreciável de ativos
líquidos emitidos pelo governo.
O susto do final de 1999, causado
por uma nova rodada de desvalorização do real e pelo "salto"
das taxas de inflação, foi amainado pela ação do Banco Central, mediante a adoção de uma
política monetária cautelosa:
manutenção do patamar de juros em 19% e "valorização" nominal do real em relação ao dólar. Essas medidas de política
econômica contaram também
com a colaboração da volumosa
entrada de investimentos diretos. Na verdade, acabamos recorrendo aos métodos da "flutuação suja", ou seja, adotamos
uma taxa administrada.
Obrigado a intervir no mercado cambial, o Banco Central
não recuperou a liberdade para
reduzir a taxa de juros. Assim, a
economia brasileira continuará
crescendo abaixo do seu potencial, não podendo evoluir num
ambiente favorável à expansão
do crédito, ao investimento, ao
endividamento das famílias e
das empresas. Apesar disso tudo,
os rapazes do BC vêm declarando que pretendem ampliar a
abertura financeira.
As projeções sobre o desempenho da economia no ano 2000,
em sua maioria, antecipam um
período de retomada do crescimento, inflação dentro das metas, resultados melhores para as
transações correntes e ganhos
na área fiscal.
A desvalorização produziu lá
seus efeitos. Os movimentos de
preços e quantidades, somados à
sensação de que a crise financeira internacional é coisa do passado, vem mudando a percepção dos mercados. Há uma clara
melhoria nas condições de liquidez externa, expressa na redução dos "spreads" que separam
as taxas de juros cobradas sobre
a dívida brasileira e aquelas que
incidem sobre papéis do governo
americano de igual prazo de
maturação.
Isso indica que podemos estar
diante de um novo (e bastante
atenuado) "ciclo de valorização
de ativos". Em princípio, num
regime de câmbio flutuante, essas circunstâncias recomendariam uma queda mais rápida
dos juros para estimular a atividade doméstica e, ao mesmo
tempo, impedir uma valorização ulterior e indesejável da
moeda local. Parece, no entanto,
que os atuais responsáveis pela
administração da economia temem as expectativas de prosseguimento da "rodada" de elevação dos juros externos, a aceleração da inflação e estão cientes
da vulnerabilidade estrutural
do balanço de pagamentos.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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