São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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ANTONIO CARLOS LEMGRUBER

Bom demais para ser verdade

Sem a banda e sem o piso, vamos voltar a níveis de valorização real do câmbio piores do que em 1994-98

O BRASIL ADOTA o regime monetário da moda: metas inflacionárias e taxas flexíveis de câmbio. Diz-se que esse regime representa a modernidade em relação aos velhos sistemas de taxas fixas e que consegue manter a disciplina antiinflacionária dos sistemas do século 20, inclusive o padrão-ouro.
A experiência brasileira de 1999-2007, porém, revelou o principal dilema do "novo regime": a melhor taxa de juros para a inflação é a pior para o crescimento e a taxa de câmbio real. No Brasil, além da apreciação nominal do câmbio nos últimos anos, verificou-se uma incrível supervalorização real.
Estamos diante de um monetarismo esquisito, preocupado com emissão de moeda e despreocupado com emissão de títulos, sem considerar a óbvia diferenciação entre emissão de moeda com lastro (no caso, dólares) e emissão de títulos públicos sem lastro -para cobrir o déficit nominal governamental.
Marcio Garcia, da PUC-RJ, demonstrou porque a intervenção do Banco Central não está agindo sobre o câmbio. O BC está perdendo a guerra contra o ataque especulativo dos "hedge funds" a favor do real.
É a "esterilização". A compra de dólares sem emitir reais requer a venda simultânea de títulos públicos. Dentro de uma política macroeconômica com taxa de juros fixa e câmbio flutuante, não acontece nada: dólares continuam a entrar atrás dos juros altos e a esterilização apenas aumenta o déficit do governo.
Para cortar o ataque especulativo, é preciso emitir moeda para comprar dólares e baixar significativamente os juros. A esterilização contribui para manter o diferencial de juros, o que estimula a compra da moeda de juros altos pelos especuladores, os quais se financiam numa moeda de juros baixos.
É necessário um "overshooting" na apreciação do câmbio -o que ocorre no Brasil- para que, em algum momento a seguir, seja reequilibrada a relação de "paridade de juros": a expectativa de desvalorização cambial passa a equalizar o diferencial de juros entre dois países.
Chegou a hora de anunciar uma banda cambial de 50%, entre R$ 2 e R$ 3, além de emitir moeda, se necessário, para comprar dólares no piso, no nível de R$ 2. E deve-se corrigir a taxa de juros de dois dígitos, desnecessária do ponto de vista do regime de metas inflacionárias.
O que está acontecendo é uma reversão completa da teoria da inflação como fenômeno monetário. A inflação no Brasil é um fenômeno fiscal. Os problemas fiscais são tão graves que o governo é obrigado a emitir títulos e elevar os tributos.
Se a emissão de moeda ficar limitada à compra de dólares (como no padrão-ouro) e se houver um verdadeiro ajuste fiscal com redução de despesas e déficit zero, vão se liberar e descongestionar o mercado de crédito e as taxas de juros. Não haverá inflação dramática se a moeda emitida tiver lastro. Na verdade, o mercado sempre reage: o simples anúncio do piso tornará desnecessária a emissão monetária e destruirá o ataque especulativo, ao definir que -a partir de R$ 2- só poderá haver desvalorização da moeda.
Pode-se perfeitamente emitir moeda para comprar dólares, desde que o lado fiscal esteja organizado. Não é o caso de fixar o câmbio, mas, certamente, está na hora de colocar um piso para encerrar a festa especulativa. Se não for criado o piso, teremos deflação em reais e recessão.
Brad Setser (do blog RGE) está assustado com os dados brasileiros: "too good to be true". E prossegue: "Alguém consegue imaginar o que está acontecendo no Brasil? Quem não quer ganhar 12% ao ano, emprestando a um país que não precisa de dinheiro?", pergunta. Sem a banda e sem o piso, vamos voltar a níveis de supervalorização real do câmbio piores do que em 1994-98.


ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 59, é economista e foi presidente do Banco Central do Brasil em 1985.

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