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ANTONIO CARLOS LEMGRUBER
Bom demais para ser verdade
Sem a banda e sem o piso, vamos voltar a níveis de valorização real do câmbio piores do que em 1994-98
O BRASIL ADOTA o regime monetário da moda: metas inflacionárias e taxas flexíveis de
câmbio. Diz-se que esse regime representa a modernidade em relação
aos velhos sistemas de taxas fixas e
que consegue manter a disciplina
antiinflacionária dos sistemas do século 20, inclusive o padrão-ouro.
A experiência brasileira de 1999-2007, porém, revelou o principal dilema do "novo regime": a melhor taxa de juros para a inflação é a pior
para o crescimento e a taxa de câmbio real. No Brasil, além da apreciação nominal do câmbio nos últimos
anos, verificou-se uma incrível supervalorização real.
Estamos diante de um monetarismo esquisito, preocupado com
emissão de moeda e despreocupado
com emissão de títulos, sem considerar a óbvia diferenciação entre
emissão de moeda com lastro (no
caso, dólares) e emissão de títulos
públicos sem lastro -para cobrir o
déficit nominal governamental.
Marcio Garcia, da PUC-RJ, demonstrou porque a intervenção do
Banco Central não está agindo sobre
o câmbio. O BC está perdendo a
guerra contra o ataque especulativo
dos "hedge funds" a favor do real.
É a "esterilização". A compra de
dólares sem emitir reais requer a
venda simultânea de títulos públicos. Dentro de uma política macroeconômica com taxa de juros fixa e
câmbio flutuante, não acontece nada: dólares continuam a entrar atrás
dos juros altos e a esterilização apenas aumenta o déficit do governo.
Para cortar o ataque especulativo,
é preciso emitir moeda para comprar dólares e baixar significativamente os juros. A esterilização contribui para manter o diferencial de
juros, o que estimula a compra da
moeda de juros altos pelos especuladores, os quais se financiam numa
moeda de juros baixos.
É necessário um "overshooting"
na apreciação do câmbio -o que
ocorre no Brasil- para que, em algum momento a seguir, seja reequilibrada a relação de "paridade de juros": a expectativa de desvalorização
cambial passa a equalizar o diferencial de juros entre dois países.
Chegou a hora de anunciar uma
banda cambial de 50%, entre R$ 2 e
R$ 3, além de emitir moeda, se necessário, para comprar dólares no
piso, no nível de R$ 2. E deve-se corrigir a taxa de juros de dois dígitos,
desnecessária do ponto de vista do
regime de metas inflacionárias.
O que está acontecendo é uma reversão completa da teoria da inflação como fenômeno monetário. A
inflação no Brasil é um fenômeno
fiscal. Os problemas fiscais são tão
graves que o governo é obrigado a
emitir títulos e elevar os tributos.
Se a emissão de moeda ficar limitada à compra de dólares (como no
padrão-ouro) e se houver um verdadeiro ajuste fiscal com redução de
despesas e déficit zero, vão se liberar
e descongestionar o mercado de crédito e as taxas de juros. Não haverá
inflação dramática se a moeda emitida tiver lastro. Na verdade, o mercado sempre reage: o simples anúncio do piso tornará desnecessária a
emissão monetária e destruirá o ataque especulativo, ao definir que -a
partir de R$ 2- só poderá haver desvalorização da moeda.
Pode-se perfeitamente emitir
moeda para comprar dólares, desde
que o lado fiscal esteja organizado.
Não é o caso de fixar o câmbio, mas,
certamente, está na hora de colocar
um piso para encerrar a festa especulativa. Se não for criado o piso, teremos deflação em reais e recessão.
Brad Setser (do blog RGE) está assustado com os dados brasileiros:
"too good to be true". E prossegue:
"Alguém consegue imaginar o que
está acontecendo no Brasil? Quem
não quer ganhar 12% ao ano, emprestando a um país que não precisa de dinheiro?", pergunta. Sem a
banda e sem o piso, vamos voltar a
níveis de supervalorização real do
câmbio piores do que em 1994-98.
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 59, é economista e foi
presidente do Banco Central do Brasil em 1985.
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