São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O galo, a águia e a galinha

O Brasil, que tudo tinha para ser águia, virou galinha, cacarejando no seu próprio quintal, à espera da panela

AS PENOSAS continuam tendo grande influência em nossas vidas. 2006 é, certamente, o ano do galo. O "quadrado mágico" do nosso futebol de fancaria foi trucidado pelo galo francês, no sábado passado. Os vibrantes jogadores da França foram verdadeiros galos de briga diante da apatia incompreensível dos celebrados papagaios verde-amarelos. Perder, em si, não foi tão mal quanto a falta de atitude e de garra do nosso time. 2007, provavelmente, será o ano da águia, trazendo desafio complicado para nós. A águia da economia norte-americana ainda está voando alto em 2006, num ritmo anualizado de mais de 5%. Porém o nível do juro básico, lá praticado, não vai parar em 5,25%, o que já seria suficiente para promover um ajuste na sua demanda interna. O juro norte-americano subirá mais, fazendo a águia baixar e, eventualmente, pousar. O Fed (banco central dos Estados Unidos) precisa aplicar um freio ao duplo déficit dos Estados Unidos, o fiscal e o externo, para uma posição sustentável a longo prazo. E a galinha? Esta somos nós desde 2001, pelo vôo da galinha do pífio crescimento brasileiro dos últimos anos. Aliás, a administração Lula, em matéria econômica, quer dar de galo, sempre embalada no discurso político do presidente, repetindo a ilusão do melhor futebol do mundo, dos melhores talentos, das maiores realizações, que não encontram cotejo nem semelhança com a realidade de galinha do desempenho brasileiro. Nada, porém, é mais danoso do que nossa falta de rumo em relação aos desafios da realidade, tanto na economia como no futebol, permeada pela apatia e pela falta de compromisso de suar a camisa e verdadeiramente jogar com o time para a vitória. Os dirigentes brasileiros da política e do futebol só jogam para a platéia, com os olhos voltados ao merchandising televisivo, como se estivessem permanentemente vendendo uma marca de bebida ou a abertura de conta em banco. Na semana passada, ao ouvir o oportuno pronunciamento do senador Jefferson Peres, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, referia-se ele ao Brasil, econômica e psicologicamente, como sendo um "país sem rumo", sem adequadas referências e diretrizes a mostrar e balizar seu caminho coletivo. De fato, como dizia o senador Peres -ao arrematar seu argumento, duro mas verdadeiro-, "dos anos 70 para cá, quando então se comparava a Coréia a um besouro, por não ter chance de voar, enquanto o Brasil seria uma águia, pronta a desfechar um vôo econômico extraordinário, o que aconteceu foi justamente o contrário do previsto". O besouro coreano virou um condor, alçando um vôo imenso e alto, enquanto o Brasil, que tudo tinha para ser águia, virou galinha, cacarejando e ciscando no seu próprio quintal, à espera da panela. Passamos as décadas, aqui no Brasil, entretidos com sandices econômicas, como os planos intervencionistas dos anos 80, cujo DNA de controlismo ainda está presente entre nós, até hoje, por meio da política de juros altos, contida nas metas de inflação. Praticamos juros de Terceiro Mundo para tentar manter inflação de Primeiro. Cada vez menos, países "sem rumo" poderão almejar alcançar qualquer resultado positivo, que ultrapasse o umbral da mediocridade, sem haver rejeitado, previamente, as fórmulas feitas, de qualquer origem, para buscar investigar, em profundidade, as razões principais do seu atraso crônico e de sua apatia. E, quando a mediocridade de resultados vem casada com o ufanismo sem juízo e a propaganda enganosa, a distância entre a fama e a infâmia se encurta. Como na fábula da seleção brasileira de Parreira, vimos a atual administração anunciar o fim da fome no início do jogo, para terminar com uma crise agrícola sem precedentes. A rentabilidade do exportador industrial foi para o chão, mas a renda dos juros nunca foi tão gorda. Os pobres estão, em média, menos pobres, porque a classe média se somou a eles. O país ficou mais igual, porque classificado e nivelado por baixo. A galinha que seria águia, depenada, está indo para a panela.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio/SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
@ - rabellodecastro uol.com.br


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