São Paulo, sábado, 05 de setembro de 2009

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EUA e Bric afinam discurso na crise

Reforma das instituições financeiras internacionais, no entanto, gera divergência em encontro do G20

EUA propõem transferência de 5% das cotas no FMI, o que manteria desequilíbrio na instituição, ainda que atenuado; Brics querem 7%

Geoff Caddick/France Presse
O ministros Pranab Mukherjee (Índia), Guido Mantega (Brasil), Xie Xuren (China) e Alexey Kudrin (Rússia), durante reunião do G20, ontem em Londres

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O secretário norte-americano do Tesouro, Timothy Geithner, emitiu ontem um selo de qualidade aos Bric, ao pedir para participar da reunião que Brasil, Rússia, Índia e China haviam marcado para afinar posições com vistas ao encontro de ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, as maiores economias do mundo, iniciado ontem.
Geithner apresentou-se no Royal Horseguard Hotel, onde os Bric estavam reunidos, apenas para o cafezinho, mas foi o suficiente para concordar com duas das principais avaliações que os emergentes haviam feito: primeiro, a de que, apesar dos sinais positivos que a economia mundial está emitindo, ainda não é hora de pensar em desmontar os pacotes de estímulo adotados -e que são a razão de ser da recuperação.
Segundo, o secretário norte-americano concordou com a visão dos Bric, contida no documento final da reunião destes, de que "os mercados emergentes mostraram resiliência e ajudaram a economia mundial a absorver o impacto da deterioração do comércio, dos fluxos de crédito e da demanda".
As bênçãos aos Bric não bastaram, porém, para dissolver as divergências, ainda que em tom ameno. Ao contrário: Geithner até concordou que é necessário reformar as instituições financeiras internacionais (Fundo Monetário e Banco Mundial). Mas não está de acordo com a forma de fazer a reforma.
Os Bric puseram ontem no papel, pela primeira vez, os números que desejam tanto no FMI como no Banco Mundial: querem passar 7% das cotas do FMI hoje em mãos dos países ricos para os países em desenvolvimento. No caso do Banco Mundial, a transferência seria de 6%. "Isso levaria a fatia geral dos mercados emergentes e dos países em desenvolvimento no FMI e no Banco Mundial a corresponder, grosso modo, a suas participações no PIB mundial", segundo os Bric.
Em números: hoje, o mundo rico fica com 60% das cotas e, os demais, com 40%. Com a mudança proposta, cada um ficaria com a metade das cotas.
Os Estados Unidos fizeram circular um documento, a que a Folha teve acesso parcial, propondo apenas 5% de transferência de cotas no FMI, em vez dos 7% pedidos pelos Bric, o que manteria o desequilíbrio, ainda que atenuado.
Um segundo ponto de divergência se dá em torno da sigla NAB (New Arrangement for Borrowing, ou novo mecanismo para empréstimos), sempre no âmbito do FMI.
Os norte-americanos querem que a maior parte do novos recursos que estão sendo investidos ou prometidos ao FMI seja usada no NAB. O Brasil se opõe. Ou melhor, condiciona o apoio a esse mecanismo à reforma das cotas do Fundo, para dar mais voz e voto aos emergentes/em desenvolvimento.
O ministro Guido Mantega, da Fazenda, reclamou que aceitar o NAB sem a reforma nas cotas equivaleria a criar "um FMI paralelo". Pior, diz ele: um FMI maior ainda do que o próprio Fundo, na medida em que os recursos que estão sendo ou serão direcionados para o NAB duplicam os prometidos para o Fundo (US$ 500 bilhões versus US$ 250 bilhões).

Subsídios
Segundo a agência de notícias Reuters, há um terceiro ponto potencial de desacordo entre Estados Unidos e Bric, que seria explicitado na cúpula de 24 e 25 próximos nos Estados Unidos: Washington quer propor a retirada, em cinco anos, dos subsídios ao petróleo e o aumento da transparência do mercado petrolífero.
O argumento, sempre segundo a Reuters, é o de que os subsídios distorcem o mercado e fazem subir a demanda por combustível, o que naturalmente produz maiores emissões de gases do efeito estufa.
China, Rússia e Índia adotam fortes subsídios, o que leva a crer que não devem apoiar a proposta.
Por fim, ficou claro na entrevista coletiva dos quatro ministros do Bric uma diferença de ênfase: os emergentes põem muito peso na reforma do FMI e do Banco Mundial, ao passo que os Estados Unidos (e a União Europeia) preferem enfatizar a necessidade de regulação do sistema financeiro, o que inclui a remuneração dos agentes financeiros.
A diferença de ênfase é fácil de explicar: os países ricos não precisam dos emergentes para a sua agenda, uma vez que o problema do sistema financeiro está neles próprios.
Já os Bric precisam, como diz o ministro indiano Pranab Mukherjee, de "forte compromisso político" também dos países ricos, para tocar a reforma do FMI/Banco Mundial.


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