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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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POLÊMICA

Enquanto a taxa de crescimento no Brasil é de quase 2% ao ano, nos Estados Unidos recuou 0,04% desde 1996

Com transgênico, cai produtividade dos EUA

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A suposta vantagem econômica da soja transgênica em relação à convencional não resiste ao teste das estatísticas oficiais. Desde 1996, quando essa cultura começou a se disseminar nos Estados Unidos, a produtividade norte-americana evoluiu aos soluços, com tendência declinante. Naquele país, a soja transgênica corresponde a 81% da produção total do grão, e a produtividade recuou 0,04% ao ano, desde 1996.
Já a produtividade da soja brasileira, basicamente não-transgênica, cresceu a taxas de quase 2% ao ano e, desde 2001, supera a americana. Segundo dados da FAO (Food and Agricultures Organization), órgão da ONU (Organização das Nações Unidas), enquanto os produtores brasileiros colhiam 2,57 quilos por hectare, na safra do ano passado, os americanos retiravam do solo 2,52 quilos por hectare.
"A produtividade brasileira é maior e a produção tem crescido 8,8% ao ano, desde 1996, enquanto nos EUA o crescimento anual é de apenas 1,8%", diz Gerson Teixeira, engenheiro agrônomo com mestrado em desenvolvimento agrícola pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutor em economia pela Unicamp.
Na Argentina, que mais recentemente adotou a tecnologia transgênica no cultivo da soja, também se começa a perceber perda de produtividade. Segundo o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), a produtividade da soja argentina, na safra 2002/2003, é igual à obtida na de 1997/1998, antes dos transgênicos.
Para o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, doutor em engenharia de produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, "os problemas na Argentina e nos Estados Unidos estão surgindo com maior clareza após o quinto ano de cultivo".
Melgarejo diz que estudos técnicos realizados pela American Society of Agronomy sugerem que há ampliação de fungos nas raízes da soja transgênica, tratada com o defensivo glifosato (o princípio ativo do herbicida Roundup Ready, produzido pela Monsanto, detentora da patente da soja transgênica RR).
Esses fungos não estariam presentes na soja convencional tratada com outros herbicidas. Também se verificou redução da capacidade imunológica das plantas tratadas com glifosato. As submetidas a esse estresse registraram perdas de produtividade de até 25%, além de exigirem aumento do uso de defensivos agrícolas.
Assim, os ganhos que o agricultor brasileiro poderia obter nos primeiros anos de cultivo da soja transgênica, com a redução de até 10,3% nos custos de produção, tenderiam a ser engolidos com o passar do tempo, devido à perda de produtividade da lavoura e à necessidade de novos defensivos.

Lucro maior?
Outro ponto das vantagens dos transgênicos que os especialistas questionam é a possibilidade de o agricultor obter lucros mais gordos com o produto, devido à redução de custos de produção. "A agricultura é um setor de concorrência perfeita, no qual as inovações tecnológicas, no longo prazo, reduzem preços", alerta Vânia Di Addario Guimarães, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP).
Segundo Guimarães, como inicialmente há uma redução de custos de produção, o agricultor tenderia a migrar para a soja transgênica. "Com isso, aumentará a área plantada e os preços cairão, reduzindo a rentabilidade do produtor ao longo do tempo", afirma.
Para Teixeira, a liberação da soja transgênica é "um grande equívoco, do ponto de vista comercial". O Brasil, diz, tem um diferencial no mercado internacional, por produzir a soja convencional.
Foi isso, de acordo com o agrônomo, que garantiu ao país um crescimento das exportações de 2,9% ao ano, desde 1996, enquanto as exportações americanas do produto encolhiam 4,2% anualmente, segundo dados da FAO.
Até dois meses atrás, Teixeira era assessor técnico da bancada do PT na Câmara dos Deputados, mas afastou-se por discordar da política agrícola do governo, segundo ele. Atualmente, é subsecretário de desenvolvimento da pesca, na Secretaria da Pesca.
Como assessor técnico do PT para a área agrícola, Teixeira participou da comitiva de técnicos e parlamentares que visitou os EUA e a África do Sul, em julho, a convite do governo americano. "A grande indagação, após aquela viagem, é por que os produtores de soja americanos têm interesse em que o Brasil adote a tecnologia dos transgênicos", diz.
Na ocasião, relata Teixeira, o presidente da ASA (Associação Americana dos Produtores de Soja) "fez a apologia da soja RR". E foi questionado por técnicos brasileiros. "Se o senhor fosse um produtor de soja convencional no Brasil, ganhando mercado, com produtividade crescente, abriria mão dessa vantagem para se igualar aos produtores de soja dos Estados Unidos e assim ser fulminado na sua competitividade em razão dos altos subsídios nesse país?", perguntaram.
Não houve resposta do produtor americano, de resto desnecessária. "O próprio representante da Casa Civil e um cientista da comitiva brasileira trataram de desqualificar os dados apresentados sobre as vantagens da soja convencional", conta Teixeira.


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