|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PAULO RABELLO DE CASTRO
Recessão à vista?
Gripe ou resfriado leve?
Ainda não se sabe, mas os
indicadores americanos
pioraram consideravelmente
A PERGUNTA parece completamente disparatada. Pelo menos para os brasileiros, as alvíssaras são as de um 2008 de maior
aceleração sobre os níveis de atividade econômica de 2007. O Brasil,
quase sempre na contramão, acelera
quando o carro-chefe -a economia
dos Estados Unidos- se inclina na
vertente recessiva. Gripe ou resfriado leve? Ainda não se sabe ao certo,
mas os indicadores americanos de
outubro e novembro pioraram consideravelmente. Já não dá para descrever a crise financeira dos créditos
"subprime" como sendo uma mera
correção do mercado imobiliário. É
isso e muito mais.
O indicador antecedente de 2008
que mais impressiona é o de novas
construções residenciais unifamiliares: uma queda prenunciada de
50% (900 mil unidades) em relação
ao pico alcançado, em 2006, de 1,8
milhão de novas unidades iniciadas.
O setor de pesquisas da corretora
Goldman Sachs projeta o fundo do
poço dessa demanda em queda para
o primeiro trimestre de 2008, quando a variação negativa, em termos
anuais, poderá chegar a 25%, carregando consigo uma desaceleração
acentuada dos investimentos nas
empresas e do consumo das famílias
americanas.
O governo de George W. Bush
projeta um ano eleitoral dificílimo
para os republicanos. Dessa vez,
Bush filho não estará na disputa,
mas com certeza se preocupa com a
biografia que deixará, caso o estado
de recessão se configure e arraste a
opinião pública ainda mais contra
sua administração. Por isso, o governo americano estuda, neste momento, o anúncio de um programa
destinado a resgatar pelo menos
uma parcela dos mutuários "subprime" que estão engasgados com a elevação das suas prestações da casa
própria, na esteira da elevação dos
juros americanos.
São centenas de milhares de famílias, que compraram seu imóvel até
quase nenhum pagamento inicial e
muito pouco rigor na verificação da
sua ficha de crédito. Agora que os
preços dos imóveis, adquiridos na
esperança de valorização continuada, começaram a derreter, as garantias aparentemente boas não cobrem a dívida crescente. A projeção
para 2008 é terrível: aperto nos orçamentos familiares, preço do combustível na Lua e desemprego em alta. Para ter uma idéia pálida do problema, as chamadas "securitizações
de ativos" (ABX) de grau máximo de
segurança ("rating" AAA) deixaram
de valer os usuais 100% de valor de
face e hoje caíram a menos de 70%,
enquanto as de risco módico (BBB)
não têm comprador, vindo de 97%
para menos de 20% do seu valor de
face!
Os prejuízos, por ora incalculáveis, podem chegar perto da casa do
US$ 1 trilhão, deixando na poeira o
instrumento de resgate da liquidez
bancária recém-criado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, da
ordem de US$ 100 bilhões.
É evidente que o capitalismo alavancado no crédito alimentou otimismo sem fundamento, corroborado por autoridades econômicas e
agências de risco. O nome do milagre foi o juro a 1%, e o do santo, Alan
Greenspan, cujo sucessor tem a dura missão de mitigar o custo da bonança sem lastro. Chegando tarde à
festa, o Brasil ainda conseguiu colher cerca de US$ 100 bilhões em
caixa, de "gratuidade", por causa da
valorização das nossas commodities. Mas não devemos perder de vista o alto grau de vulnerabilidade
cambial que ainda nos provém do
dever de casa malfeito em nossa gestão tributária e de gastos públicos. A
malfadada prorrogação da CPMF
que o diga...
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
Texto Anterior: Trabalhadores do setor pedem reajuste de 10% Próximo Texto: China pode apresentar proposta pela Rio Tinto Índice
|