São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Recessão à vista?

Gripe ou resfriado leve? Ainda não se sabe, mas os indicadores americanos pioraram consideravelmente

A PERGUNTA parece completamente disparatada. Pelo menos para os brasileiros, as alvíssaras são as de um 2008 de maior aceleração sobre os níveis de atividade econômica de 2007. O Brasil, quase sempre na contramão, acelera quando o carro-chefe -a economia dos Estados Unidos- se inclina na vertente recessiva. Gripe ou resfriado leve? Ainda não se sabe ao certo, mas os indicadores americanos de outubro e novembro pioraram consideravelmente. Já não dá para descrever a crise financeira dos créditos "subprime" como sendo uma mera correção do mercado imobiliário. É isso e muito mais.
O indicador antecedente de 2008 que mais impressiona é o de novas construções residenciais unifamiliares: uma queda prenunciada de 50% (900 mil unidades) em relação ao pico alcançado, em 2006, de 1,8 milhão de novas unidades iniciadas.
O setor de pesquisas da corretora Goldman Sachs projeta o fundo do poço dessa demanda em queda para o primeiro trimestre de 2008, quando a variação negativa, em termos anuais, poderá chegar a 25%, carregando consigo uma desaceleração acentuada dos investimentos nas empresas e do consumo das famílias americanas.
O governo de George W. Bush projeta um ano eleitoral dificílimo para os republicanos. Dessa vez, Bush filho não estará na disputa, mas com certeza se preocupa com a biografia que deixará, caso o estado de recessão se configure e arraste a opinião pública ainda mais contra sua administração. Por isso, o governo americano estuda, neste momento, o anúncio de um programa destinado a resgatar pelo menos uma parcela dos mutuários "subprime" que estão engasgados com a elevação das suas prestações da casa própria, na esteira da elevação dos juros americanos.
São centenas de milhares de famílias, que compraram seu imóvel até quase nenhum pagamento inicial e muito pouco rigor na verificação da sua ficha de crédito. Agora que os preços dos imóveis, adquiridos na esperança de valorização continuada, começaram a derreter, as garantias aparentemente boas não cobrem a dívida crescente. A projeção para 2008 é terrível: aperto nos orçamentos familiares, preço do combustível na Lua e desemprego em alta. Para ter uma idéia pálida do problema, as chamadas "securitizações de ativos" (ABX) de grau máximo de segurança ("rating" AAA) deixaram de valer os usuais 100% de valor de face e hoje caíram a menos de 70%, enquanto as de risco módico (BBB) não têm comprador, vindo de 97% para menos de 20% do seu valor de face!
Os prejuízos, por ora incalculáveis, podem chegar perto da casa do US$ 1 trilhão, deixando na poeira o instrumento de resgate da liquidez bancária recém-criado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, da ordem de US$ 100 bilhões.
É evidente que o capitalismo alavancado no crédito alimentou otimismo sem fundamento, corroborado por autoridades econômicas e agências de risco. O nome do milagre foi o juro a 1%, e o do santo, Alan Greenspan, cujo sucessor tem a dura missão de mitigar o custo da bonança sem lastro. Chegando tarde à festa, o Brasil ainda conseguiu colher cerca de US$ 100 bilhões em caixa, de "gratuidade", por causa da valorização das nossas commodities. Mas não devemos perder de vista o alto grau de vulnerabilidade cambial que ainda nos provém do dever de casa malfeito em nossa gestão tributária e de gastos públicos. A malfadada prorrogação da CPMF que o diga...


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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