São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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CASO AMBEV
Ministro da Justiça é contra a criação de agência no lugar do Cade, defendida por Gesner Oliveira
Fusão da cerveja gera intriga no Planalto

da Sucursal de Brasília

O suposto suborno no processo de fusão das cervejarias Brahma e Antarctica acentuou o confronto que já existia havia alguns meses entre o ministro da Justiça, José Carlos Dias, e o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Gesner Oliveira. Além disso, revelou as fragilidades do atual modelo brasileiro de defesa da concorrência.
O confronto existe devido a uma disputa de poder pelo controle de decisões bilionárias. Tornou-se público no caso da fusão Brahma-Antarctica. O negócio, se aprovado, deve gerar a maior empresa privada brasileira, a AmBev, com faturamento anual acima de R$ 8 bilhões.
Segundo a Folha apurou, interessa a José Carlos Dias aproveitar o término dos mandatos de quatro dos sete conselheiros do Cade neste primeiro semestre para nomear pessoas de sua confiança para o órgão. Um dos quatro conselheiros do Cade que está saindo é o próprio Gesner Oliveira.

Agência independente
O objetivo de Gesner é convencer o governo de que seria melhor criar um novo sistema de defesa da concorrência, com uma agência independente. Isso poderia permitir ao atual presidente do Cade permanecer na área, eventualmente presidindo o novo órgão.
O ministro da Justiça é favorável à criação de uma agência independente, mas não gostaria que o órgão fosse dirigido por Oliveira. Por isso, resiste à adoção da mudança neste momento.
No Palácio do Planalto, o presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não tomou uma decisão sobre qual seria a melhor solução para essa disputa. Na dúvida, prefere manter-se distante da confusão.
O recente caso de suposta tentativa de suborno no Cade ampliou as divergências entre Dias e Oliveira. O ministro irritou-se porque a informação sobre o assunto demorou para chegar a seu gabinete.
O advogado e ex-deputado federal do PT paulista Airton Soares levou a informação do suposto suborno ao próprio Cade em novembro passado. Disse que não tinha provas, mas que clientes seus teriam dito ser possível comprar decisões no Cade, até mesmo no processo da AmBev.
A informação foi passada para a conselheira Hebe Romano, do Cade. Gesner considerou o fato irrelevante, pois Airton Soares recusou-se a dar os nomes de seus informantes, alegando sigilo profissional. "Não poderia tumultuar um processo com informações genéricas e rumores", disse Oliveira.
O caso acabou chegando ao ministro da Justiça. Na semana passada, a Polícia Federal decidiu abrir um inquérito. Além disso, recomendou a paralisação da tramitação do processo da AmBev dentro do Cade.
A Polícia Federal vai ouvir o depoimento dos conselheiros do Cade, advogados da Brahma e da Antarctica e de Soares, nesta semana.
O Cade decide na quarta, a pedido do ministro, se é conveniente continuar com o processo da AmBev, enquanto a PF investiga o possível suborno.

Processo
Para entender a disputa pelas decisões sobre defesa da concorrência é importante conhecer o intrincado sistema brasileiro.
Quando uma ou mais empresas se fundem e passam a deter 20% ou mais de um determinado mercado, ou se registram um faturamento acima de um valor estipulado em lei, devem comunicar o fato ao governo.
A partir daí, o processo passa por três órgãos distintos até ser aprovado. O caminho é o seguinte:
1) Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) do Ministério da Fazenda. Esse órgão é o primeiro a dar um parecer técnico analisando os aspectos econômicos da operação. No caso da AmBev, a sugestão foi vender uma das empresas -a Skol;
2) SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça - dá instruções no processo sobre aspectos jurídicos. Para a AmBev, sugere que seja vendida uma das marcas de cerveja, não especificando qual;
3) Cade - é uma autarquia independente, mas ligada ao Ministério da Justiça. Funciona fisicamente dentro do ministério e dá a palavra final sobre os processos.
Embora esses três órgãos decidam sobre questões envolvendo bilhões de reais, contam com uma estrutura frágil.
Um exemplo da indisposição entre o ministro da Justiça e o presidente do Cade foi quando o governo brasileiro assinou um acordo de cooperação com o órgão de defesa da concorrência dos Estados Unidos.
A negociação para esse acordo foi feita inteiramente por Gesner Oliveira. Quando a assinatura estava para acontecer, o então ministro da Justiça, Renan Calheiros, foi demitido.
Com a chegada de José Carlos Dias no ano passado, uma nova data foi marcada para a assinatura do acordo em Washington. Quando marcou sua viagem, o ministro da Justiça deixou Gesner Oliveira no Brasil e resolveu levar consigo apenas o titular da SDE, Paulo de Tarso Ribeiro, uma pessoa de sua confiança.
(FERNANDO RODRIGUES, MARTA SALOMON E ANDRÉ SOLIANI)

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