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OPINIÃO ECONÔMICA
O espírito da coisa
JOÃO SAYAD
A melhor solução para a cerveja é a fusão da Kaiser com a AmBev. Neoliberais brasileiros não
entendem de concorrência. Parecem estrangeiros dançando no
Carnaval.
Quando turista pula o Carnaval, de calça branca e camisa listrada, imita o passo da porta-bandeira, ri para o fotógrafo, canta, transpira, mas não é Carnaval. Não entendeu o espírito da
coisa.
Neoliberais brasileiros já produziram quatro anos de pesadelo
macroeconômico com câmbio sobrevalorizado, juros altos, crescimento da dívida interna e desindustrialização. Não precisava ter
ocorrido nem era neoliberal.
Mal jogamos fora os jornais velhos com as justificativas e teorias
do período e começamos outro
pesadelo, agora microeconômico:
a política de incentivo à concorrência no Brasil.
No final do século 19 e início do
20, os Estados Unidos estabeleceram legislação para limitar e regular a formação de grandes corporações com as leis antitruste.
Depois vieram leis contra as fusões e a formação de cartéis.
Inicialmente a preocupação era
política: a vida democrática requer certa limitação ao tamanho
das empresas, que não podem se
tornar maiores ou mais poderosas do que as organizações políticas (sob esse ponto de vista, a legislação deveria dar atenção prioritária à imprensa e à televisão).
No espírito das leis antitruste
outros países deveriam incentivar
o crescimento das suas empresas
nacionais para que pudessem
concorrer com os gigantes americanos. No século 19, França, Itália, Rússia e Alemanha apoiavam
o crescimento e a conglomeração
de suas empresas para concorrer
com os líderes industriais, a Inglaterra, antes, e os Estados Unidos,
mais tarde.
Além do Brasil, apenas o Japão
aplicou leis semelhantes no final
da Segunda Guerra. Foi o general
MacArthur quem obrigou a cisão
dos famosos "zaibatsu", durante
a ocupação americana.
Atualmente gigantes multinacionais se fundem em todos os
setores: Internet, bancos, seguradoras, montadoras de automóveis, indústrias químicas, farmacêuticas, de alimentação, tudo se funde.
Vinte anos de neoliberalismo e
muitos governos republicanos nos
Estados Unidos fizeram com que
o Departamento de Justiça aliviasse a política antitruste, com a
exceção honrosa do caso da Microsoft.
No Brasil, a política ganha força
recentemente, vem junto com o
surto neoliberal e as reformas.
Mas a política é dilacerada por
objetivos conflitantes -defesa da
concorrência na economia brasileira e incentivos a qualquer custo
para a entrada de empresas estrangeiras (sofremos de fobia de
xenofobia).
Enquanto o Cade coloca obstáculos à fusão da Brahma com a
Antarctica, damos crédito subsidiado e incentivos fiscais a montadoras estrangeiras; cogitamos
vender a indústria petroquímica
à Dow Chemical, que já domina o
setor na Argentina e é muito
grande no mercado internacional; apoiamos a venda de refinarias da Petrobras às concorrentes
internacionais (as "sete irmãs"?)
que dominam o mercado mundial para incentivar a concorrência nacional.
Bancos do mundo inteiro se
fundem, transformam-se em gigantes, vêm ao Brasil, compram
muitos bancos sem que o Cade tenha nada a dizer.
A Embraer vende participação
do capital para concorrentes estrangeiros que sentarão no Conselho de Administração para conhecer a estratégia da empresa
brasileira.
O resultado seria divertido, se
não fosse trágico, enquanto um
grupo de neobrasileiros se preocupa com o "gigantismo" das empresas nacionais e a concorrência
e outro grupo incentiva a entrada
de gigantes internacionais com
poder de monopólio.
Não tem nada a ver com a lei
antitruste. Não aumenta a concorrência nem defende a liberdade.
Parece briga na porta do baile
de Carnaval: um leão-de-chácara
segura a empresa brasileira enquanto outro chama um grandão
estrangeiro para socar.
João Sayad, 53, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração
da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de "Que País é
Este?" (editora Revan); escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net
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