São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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ANTONIO CARLOS LEMGRUBER

O "hiato" do PIB


O Brasil tem condições de crescer 7% anuais nos próximos anos (ou mais) sem aceleração inflacionária

QUE HISTÓRIA é essa de hiato do produto? Um conceito macroeconômico inventado na década de 60 por Arthur Okun, assessor econômico de John Kennedy. Como a medida de desemprego era falha, Okun descobriu forte correlação entre o hiato e a taxa de desemprego na economia. Quanto maior o hiato, maior o desemprego.
Além disso, todo mundo naquela época acreditava numa tal de curva de Phillips: achava-se que havia correlação negativa entre a inflação e o hiato. Quanto maior a inflação, menor o desemprego. O dilema inflação-desemprego foi devidamente revisto ao longo do tempo, com a descoberta do fenômeno das expectativas racionais por economistas como Lucas, Phelps e o velho Friedman. Ainda assim, o hiato do PIB permanece até hoje como um componente a influenciar a "aceleração da inflação" nos modelos dos bancos centrais de metas de inflação.
Ou seja: quando as autoridades monetárias desconfiam de que o hiato está diminuindo, passam a temer a inflação e sobem a taxa de juros.
Mas há mil maneiras de medir o hiato. Afinal, o hiato é a diferença percentual entre o produto potencial de uma economia em determinado ano (produção de pleno emprego) e o produto efetivamente verificado. Calcula-se que no Brasil, em 1966, esse hiato tenha chegado a 20%, o que facilitou o "milagre brasileiro" de 1968-1973: o PIB cresceu 10% ao ano, sem que houvesse aceleração inflacionária -até pelo contrário, a inflação caiu.
Qual é hoje esse hiato? Depende da taxa de crescimento atribuída ao produto potencial. Nas décadas de 60 e 70, falava-se em 7% ao ano de taxa potencial, mas agora as autoridades monetárias são tão conservadoras que preferem ficar em 3% ou 4%. Com isso, o hiato -medido dessa forma- seria pequeno e teríamos pressões inflacionárias.
Mas por que o potencial de crescimento da economia baixou de 7% em 1975 para 3% em 2005? O que houve de errado em 30 anos?
Esta é a pergunta fundamental: por que o Brasil perdeu dinamismo nos últimos 30 anos, passando por Figueiredo, Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula? Eis o mistério. Ao mesmo tempo, vemos aí China, Índia, Coréia e Rússia deslumbrando o mundo.
A hipótese de crescimento potencial de apenas 3% a 4%, diante de um crescimento efetivo que parece retornar aos 7% (felizmente), levanta um risco enorme: o modelo de inflação do Banco Central manda elevar os juros. O hiato diminui. Ou seja: vem inflação por aí.
É razoável, porém, defender o contrário. Voltamos à década de 60. O hiato em 2008 pode ser enorme, porque não se pode imaginar um crescimento potencial no Brasil muito inferior a 5% nas últimas décadas, sendo a queda de 7% para 5% explicável pelo menor crescimento da população.
De 1981 para cá, o Brasil cresceu em média 2% ao ano. O hiato só fez aumentar. Voltamos à mesma situação de 1966. Ou mais. Uma produção perdida de 100% do PIB em 26 anos. O PIB do Brasil poderia ser o dobro do que é. É como se viéssemos de uma longa guerra, tendo perdido de forma acumulada o equivalente a um PIB brasileiro.
O Brasil tem, portanto, condições de crescer 7% anuais nos próximos anos (ou mais) sem aceleração inflacionária -com ou sem crise mundial. Foi assim em 1968-1973.
Temos um hiato do produto herdado dos últimos anos maior do que se imagina. Enorme capacidade ociosa, pronta para entrar em produção, com crédito e juros baixos. Automóveis e imóveis. O Banco Central só iria atrapalhar se elevasse os juros.


ANTONIO CARLOS LEMGRUBER , 60, economista, foi presidente do Banco Central.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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