|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Economista americano diz que, após Consenso de Washington, região combina ortodoxia, populismo e nacionalismo
Krugman vê fase de "experimentação" na AL
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista norte-americano
Paul Krugman afirma que a América Latina entrou em uma fase de
"experimentação". O novo período combina aspectos de ortodoxia econômica, populismo e arroubos de nacionalismo, como no
recente caso da Bolívia.
"O que passa na região não é nada apocalíptico, mas uma "experimentação". Alguns erros serão cometidos, mas isso é, provavelmente, uma boa coisa", afirma.
Krugman acredita que uma guinada à esquerda teria "necessariamente" de acontecer na América
Latina depois do "fracasso" das
políticas neoliberais, que "não entregaram o que prometeram" aos
eleitores na região.
Economista badalado nos EUA
e com doutorado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), Krugman acaba de reunir
em novo livro algumas de suas colunas publicadas no diário "The
New York Times", onde escreve
desde 1999. "The Great Unraveling" (traduzido no Brasil como
"A Desintegração Americana")
traz reflexões e críticas sobre
George W. Bush, a direita americana e explora como a "exuberância" da América deu lugar ao pessimismo social e econômico.
Leia entrevista telefônica que
Krugman concedeu ontem dos
EUA à Folha:
Folha - O sr. é um crítico ferrenho
da política econômica do governo
George W. Bush. No entanto, os
EUA continuam há anos sendo o
principal motor da economia mundial e o país cresceu a uma taxa de
4,8% no primeiro trimestre de
2006. O que o sr. diz?
Paul Krugman - Não está mal.
Você me pergunta por que ainda
não aconteceram as coisas ruins
que pessoas como eu dizem que
podem acontecer. Acho que há
duas coisas aí: a primeira é a atual
"bolha" no setor imobiliário.
Muito do crescimento nos últimos três anos tem sido estimulado pelos preços dos imóveis e pelos empréstimos que os americanos tomam dando suas casas como garantia. A outra é a longa e
surpreendente determinação de
outros países em continuarem financiando o déficit em conta corrente dos EUA.
Na minha opinião, temos duas
"bolhas" aí, uma do setor imobiliário e a outra do dólar sendo financiado pelos bancos centrais de
outros países. Elas, eventualmente, vão murchar, com graves conseqüências.
Folha - Então o sr. continua pessimista em relação à economia americana.
Krugman - Sim, mas não extremamente. Há uma chance de um
"pouso forçado" nos EUA de, eu
diria, 50%. Mas não será nada como a Argentina na época da desvalorização (2001).
Folha - O que há de errado com os
americanos, que não conseguem
parar de consumir demais e poupar
de menos, acentuando esses desequilíbrios nas contas do país?
Krugman - A diminuição da taxa
da poupança é o outro lado do
boom imobiliário. É o resultado
desse efeito riqueza, que foi rapidamente convertido em gastos e
compras.
Folha - O sr. também é um grande
crítico da invasão do Iraque. Como
vê essa herança da gestão Bush?
Krugman - É cara. Os gastos com
a invasão estão se aproximando
hoje de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) americano e estamos
perdendo terreno a cada dia no
país. Creio que daqui a três ou
quatro anos estaremos fora do
Iraque, de um jeito ou de outro.
No meio tempo, é um custo substancial, e a guerra tem tirado 1,5
milhão de barris de petróleo/dia
do mercado.
Folha - Como o sr. explica a América? Se existe uma chance de 50%
de um "pouso forçado" na economia e o Iraque se transformou no
Vietnã de Bush, como o partido democrata e as forças de oposição estão tão perdidas?
Krugman - Se houvesse uma eleição hoje, seguramente os democratas ganhariam o controle do
Congresso. Bush é hoje um presidente totalmente impopular e
houve uma série de desilusões em
relação a ele. O ano de 2004 (da
reeleição de Bush) foi o ano das
manifestações a favor da Casa
Branca e da Guerra no Iraque e de
uma grande tentativa de mostrar
as coisas de um jeito melhor do
que realmente estavam. Tudo não
passou de uma fraude, e o público
acabou comprando esse cenário
favorável. E esses caras (os republicanos) são muito bons em política. Muitos votaram não a favor
de Bush, mas contra John Kerry
(o candidato democrata), apresentado como não-confiável em
um momento delicado como
aquele, do país em meio a uma
guerra.
Folha - O sr. poderia falar um
pouco sobre a situação da América
Latina e do Brasil?
Krugman - Sou completamente
ignorante em relação ao Brasil.
Fiz muito pouca pesquisa a respeito. Não poderia nem dizer qual
é a taxa de crescimento atual...
Folha - Está entre 3,5% e 4%.
Krugman - Há uma boa notícia
em relação ao Brasil. O país não é
um assunto muito interessante.
Com tantos problemas nos EUA,
a tendência é olhar para fora apenas quando há grandes problemas acontecendo.
Folha - Temos algumas novidades na região, como uma profusão
de governos de esquerda. Chávez,
Lula, Kirchner e Evo Morales. O último acaba de nacionalizar a produção de gás natural.
Krugman - Essa é uma história
interessante. Basicamente, acho
que é inevitável que haja governos
de esquerda na América Latina.
Não devemos acreditar, como alguns aqui nos EUA, que alguns
desses governos transformem
seus países em Cuba. Mas uma
guinada populista era algo plenamente garantido diante das promessas feitas pelo chamado Consenso de Washington (conjunto
de regras liberais recomendadas à
região nos anos 90) e o tão pouco
que acabou sendo entregue.
Folha - O sr. diria que isso advém
do fato de o prometido não ter sido
entregue ou de as reformas não terem sido devidamente implementadas, deixando as economias em
um cenário complexo, de arremedo
de capitalismo?
Krugman - É um critério muito
duro considerar que a resposta
para cada fracasso é o que você
não fez certo. O país que tenho
prestado mais atenção é a Argentina, que foi considerada a queridinha do mercado financeiro internacional durante muitos anos.
O resultado foi catastrófico. Mas,
quando a Argentina voltou a ser
um país heterodoxo, quebrando
regras e tendo punições mínimas,
ela teve uma recuperação extremamente rápida. Como esperar
que os outros países olhem para
isso e continuem a ser ortodoxos?
Creio que a região esteja passando por um momento de "experimentações". Não vejo isso como
uma mudança radical em direção
a uma nova ideologia, uma volta
ao socialismo ou a cenários de inflação descontrolada.
Folha - Uma das diferenças é que
países como a Argentina, o Brasil, e
mesmo a Bolívia estão se esforçando para manter um equilíbrio ou
fazer superávits fiscais.
Krugman - Sim, a responsabilidade fiscal ainda está presente e
não vemos uma nacionalização
completa dos meios de produção
ou um aumento de tarifas comerciais ou do protecionismo. Há
uma prevenção em relação às regras do consenso dos anos 90,
mas não um abandono completo
de tudo aquilo. O que passa na região não é nada apocalíptico, mas
uma "experimentação". Alguns
erros serão cometidos, mas isso é,
provavelmente, uma boa coisa.
Texto Anterior: Sem as barreiras, usinas poderão exportar mais aos Estados Unidos Próximo Texto: Crise no campo: Produtores de GO e PR aderem a protestos Índice
|