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São Paulo, sexta-feira, 06 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Escolha a sua inflação

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O Brasil sofreu muito com a inflação nos últimos tempos. Por causa dessa neurose coletiva, acabou transformando-se na pátria dos índices de inflação. Construímos uma parafernália estatística sofisticada para medir e acompanhar a inflação. Herdamos desse período índices que medem a cada semana a evolução dos preços no varejo, como o da Fipe, em São Paulo, e, mais recentemente, o IPC-S, da FGV do Rio; temos índices de preços que são calculados de dez em dez dias, como o IGP-M da Fundação Getúlio Vargas; temos também, como nos países mais normais, os índices mensais de preços no atacado e varejo.
Essa estrutura estatística funcionou muito bem durante o período da hiperinflação inercial. Mas a volta de uma inflação civilizada, a partir de 1999, obrigou-nos a buscar formas diferentes de mensurar a variação de preços. Com índices mensais abaixo de 1%, é muito importante separar os efeitos aleatórios que ocorrem sobre os preços do que se pode chamar de uma inflação estrutural. Alem disso, é preciso dar um tratamento correto aos preços que têm regras contratuais de reajuste periódico ou que seguem o calendário civil.
Dou alguns exemplos recentes para facilitar a compreensão do leitor. Um aumento de preço aleatório que nos atingiu foi o dos derivados de petróleo, em razão da Guerra do Iraque; já o aumento das tarifas telefônicas, que ocorrerá em julho, é um caso exemplar de correção de preços definido por regras contratuais; finalmente, o reajuste das mensalidades escolares serve para ilustrar a prática de aumento de preços em função do calendário civil.
Em uma situação de normalidade é preciso, portanto, medir de forma correta os aumentos de preços que ocorrem por algum desequilíbrio entre oferta e procura de bens e separá-los daqueles que ocorrem por um desequilíbrio de oferta fora do controle dos agentes econômicos ou por regras estabelecidas externamente ao mercado. Isso é novidade para nós, e somente a partir de 2000, com a implantação do sistema de metas de inflação, é que começamos a tratar essa questão.
O Banco Central decidiu então, sem uma reflexão mais profunda e uma discussão mais ampla com a chamada sociedade civil, implantar um modelo matemático sofisticado para fazer essa separação e chegar ao que se chama de núcleo da inflação. Deixou de lado, certamente por considerá-la tosca, a metodologia já usada pela grande maioria das economias desenvolvidas para enfrentar esse mesmo problema. Nesses países o núcleo da inflação é obtido simplesmente excluindo-se os aumentos de preços de produtos que sofrem influências externas incontroláveis. É o caso dos produtos agrícolas e dos derivados de petróleo, principalmente.
Essa nova medida de inflação -chamada de núcleo por exclusão- é utilizada pela maioria dos países para orientar a política monetária. No Brasil, o nosso sofisticado e matemático Banco Central usa o mesmo conceito de núcleo de inflação, mas prefere trabalhar com o método chamado de médias aparadas para calculá-la.
Apesar do pouco tempo que temos para avaliar essas duas formas de cálculo do núcleo da inflação, já é possível perceber que elas apresentam resultados conflitantes nos últimos 12 meses. Em 2002, principalmente no segundo semestre, quando o choque da explosão da taxa de câmbio provocou uma realimentação da inflação, o núcleo calculado pela metodologia do Banco Central andou atrás do núcleo calculado pela metodologia tradicional. Em outras palavras, a ação de nossa autoridade monetária era débil para o quadro real da inflação.
Nos meses recentes o comportamento tem sido o oposto: a inflação medida pelo critério do núcleo por exclusão está caindo, enquanto os números que o BC utiliza para suas tomadas de decisão mostram uma inflação que não cai. Portanto as taxas de juros são superiores às necessárias ao combate à inflação. Não é por outra razão que a economia real está derretendo.
Pelo núcleo calculado por exclusão, a inflação mensal média, entre janeiro e março, foi de 1,17%, o que corresponde a uma taxa anual de 15%. Em abril esse núcleo caiu para 0,81% (10,2% em 12 meses) e chegou a 0,68% (8,5% em 12 meses) em maio. A expectativa do mercado é que em junho ele fique em 0,40%, ou seja, menos de 5% ao ano. Não precisa ser um economista matemático para enxergar uma clara e forte redução de queda!
Já os números que saem do modelo do Banco Central são completamente diferentes. Eles mostram que o tal núcleo por média aparada está estabilizado no período janeiro a maio em 1,13% ao mês, ou seja, uma taxa anual de quase 15% ao ano. Daí o discurso de inércia inflacionária que tem sido explicitado pelos seus diretores.
Peço ao leitor que defina qual das duas metodologias é a mais certa!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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