São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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CRISE NA AMÉRICA LATINA

Brasil cede mais a vizinho em acordos, e países resolvem problemas que emperravam Mercosul

FHC aposta em Argentina "indestrutível"

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Na sua penúltima participação em cúpulas do Mercosul (a última, antes da sucessão, será em dezembro no Brasil), o presidente Fernando Henrique fez a mais forte aposta na Argentina, o principal parceiro brasileiro no bloco.
"A Argentina é indestrutível, porque é uma nação, não só um mercado. É um povo que tem alto nível cultural, que tem a capacidade de trabalho e técnica e uma natureza extraordinária", afirmou primeiro no jantar da véspera com os mandatários dos outros três países do bloco e os de Bolívia, Chile e México.
Ontem, repetiu a frase em discurso ouvido não só pelo presidente argentino Eduardo Duhalde mas também pelo chanceler Carlos Ruckauf, pelo ministro de Economia, Roberto Lavagna, e pelo governador da Província de Córdoba, o "presidenciável" peronista José Manuel de la Sota.
Diante da afirmação de FHC, não surpreende que tenha recebido em troca, de Ruckauf, a qualificação de "estadista da América".
Não foi esse o único afago na Argentina e no Mercosul. Na conversa fechada entre os presidentes, FHC perguntou se a crise que afeta a região seria maior ou menor sem o Mercosul.
"Obviamente maior", respondeu ele próprio.
Tão cega confiança na Argentina e no Mercosul ajuda a entender por que os dois países conseguiram, ontem, limpar a agenda comum de problemas que vinham emperrando o funcionamento do bloco nos últimos muitos meses.
"Todo o contencioso que havia foi resolvido", proclamou FHC.
De fato, foi. A Argentina encerrou as investigações sobre eventual prática irregular na exportação de suínos brasileiros, está revendo idêntico procedimento sobre os frangos e comprometeu-se a não investigar os têxteis.
Na área automotiva, os dois países acertaram nova fórmula que permite aumentar as exportações de parte a parte, até chegar ao livre comércio, em 2006.
Acertaram também flexibilizar os chamados CCRs (Convênios de Créditos Recíprocos), uma maneira pela qual os bancos oficiais dão garantias aos exportadores de que os importadores pagarão o que for comprado.
Essa garantia se estende às operações já realizadas e que os argentinos não pagaram, em um valor perto de US$ 500 milhões.
A dívida será renegociada, e o BNDES reabrirá linhas de crédito para novas importações argentinas do Brasil.
É claro que o pacote vale para os dois lados, mas, como a conjuntura argentina é de profunda recessão e, portanto, baixa demanda, o natural é que o Brasil passe a importar ainda mais da Argentina.

Déficit aceito
"O presidente tomou a decisão política de aceitar o déficit", diz o ministro Sergio Amaral (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).
No caso de carros, o benefício para as montadoras instaladas na Argentina é óbvio. Não estão vendendo quase nada no mercado interno e podem agora exportar para o Brasil US$ 2 para cada US$ 1 importado, proporção que sobe para US$ 2,2 em 2003, US$ 2,4 em 2004 e US$ 2,6 em 2005.
Como foram também assinados acordos automotivos que facilitam exportações para México e Chile, Ruckauf festejou: "A Argentina vai poder exportar o equivalente a tudo o que suas fábricas produziram no ano passado".
O presidente FHC também festejou: "É mais um pilar para a continuidade do Mercosul. Dificuldades sempre existem, mas já somos capitães de longo curso em matéria de dificuldades", disse.
Mas, na conversa fechada, os presidentes falaram muito na necessidade de "celeridade" na negociação entre a Argentina e o FMI, sem cuja conclusão o principal sócio brasileiro continuará sendo forçado a exercitar toda a sua ciência de arte de pilotar dificuldades. (CLÓVIS ROSSI)


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