|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Virtus in medium
BENJAMIN STEINBRUCH
Em 1986, o governo José Sarney lançou o Plano Cruzado,
com o congelamento de preços,
que, no início, fez grande sucesso.
Tão grande que, inicialmente
previsto para durar 60 dias, foi
prorrogado "ad aeternum" por
inebriados políticos e pelos condutores da economia. Quem tem
pelo menos 30 anos se lembra do
resultado: não foi possível manter
o congelamento, por causa do aumento de demanda, e o Cruzado
se esfacelou.
Em 1997, com o Plano Real de
vento em popa, começou a haver
uma grande polêmica sobre a política cambial do governo. A âncora cambial, corretamente utilizada no início para quebrar a
inércia da inflação, precisava ser
levantada, porque segurava demais as exportações e impedia o
equilíbrio das contas externas.
Mas o Banco Central e a equipe
econômica continuaram intransigentes e mantiveram o real valorizado. Quem tem mais de 20
anos se lembra bem do resultado:
terminadas as eleições que reconduziram Fernando Henrique
Cardoso à Presidência, o governo
foi obrigado a fazer uma traumática desvalorização cambial, em
janeiro de 1999. Algumas empresas com dívida em dólares, que
acreditavam na manutenção do
câmbio, quebraram.
Mudemos o foco para a Argentina. O governo Menem, sob inspiração de Domingo Cavallo,
adotou a paridade fixa do peso
em relação ao dólar, à base de um
para um. Com o objetivo de dar
mais credibilidade à política, colocou esse engessamento cambial
na Constituição. Todos se lembram do resultado, porque ele é
muito recente: no início de 2001,
depois de anos seguidos de recessão, a Argentina foi levada ao desastre econômico, político e institucional, incluindo a renúncia do
presidente constitucionalmente
eleito.
Esses três momentos têm em comum uma coisa: em todos, esqueceu-se do ditado latino "virtus in
medium". O congelamento do
Cruzado, naquele momento de
hiperinflação, era correto. O erro
foi tentar prolongar demais uma
medida heterodoxa e de força,
que deveria ter sido seguida por
outras mais ortodoxas, de política
fiscal e monetária. A âncora cambial do Real também foi necessária em 1994 para segurar a inflação no início do plano, mas esticou-se demais a corda, até que ela
arrebentou. O Plano Cavallo
igualmente foi benéfico à Argentina, produziu anos de grande
crescimento econômico no início
da década de 90, mas jamais a
dolarização poderia ter sido endeusada e prolongada por uma
década.
A virtude da moderação vale
para tudo. Na política, o próprio
Partido dos Trabalhadores, que
disputou quatro eleições até chegar ao poder, descobriu com o
tempo que a radicalização é perniciosa. Lula só foi eleito presidente da República quando moderou suas posições.
Na área econômica, o governo
peca pela radicalização. Recebe
pacientemente conselhos e sugestões, mas tudo o que escuta entra
por um ouvido e sai por outro.
Mantém-se intransigente em posições ortodoxas.
Não era necessária a decisão do
Conselho Monetário Nacional,
tomada na semana passada, que
manteve a meta de inflação em
4,5% em 2005. Se a meta tivesse
sido mantida em 5,5%, como propunha o senador Aloizio Mercadante, haveria mais espaço para
a redução de juros e o crescimento
econômico, sem nenhum efeito
inflacionário importante. Radicalizou-se, portanto, desnecessariamente. A meta de 2006, fixada
em 4,5%, também foi mais apertada, porque a tolerância foi reduzida de 2,5 pontos percentuais
para 2 pontos.
A marca do radicalismo ortodoxo está também nas políticas fiscal e monetária. Num momento
em que se exige moderação -vide comportamento do presidente
do banco central americano,
Alan Greenspan-, perpetua-se
desnecessariamente uma absurda taxa básica de juro em nível
real entre 9% e 10% e mantém-se
a TJLP, importantíssima para estimular investimentos, em 9,75%
ao ano. O nível de 8%, como sugere o presidente do BNDES, Carlos
Lessa, seria mais adequado.
Na política fiscal, insiste-se em
um superávit de quase 5% do
PIB, um exagero que nada tem a
ver com responsabilidade fiscal,
enquanto a carga tributária bate
em 40% do PIB e esfola a atividade produtiva.
Nenhuma economia pode crescer de forma continuada com tamanho esforço fiscal e tributário.
O ideal, para quem acredita na
virtude da moderação, é perseguir objetivos de forma tranqüila,
sem políticas radicais, para permitir que a economia cresça e o
país gere empregos. A insistência
no radicalismo pode nos levar,
em poucos anos, a traumas parecidos com os descritos acima,
abrindo portas para o surgimento
de "salvadores da pátria" munidos de um arsenal de medidas perigosamente populistas.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Banco Central está alerta contra ameaça inflacionária, diz Meirelles Próximo Texto: Pressão: Volta do preço cheio pressiona tabela Índice
|