São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Virtus in medium

BENJAMIN STEINBRUCH

Em 1986, o governo José Sarney lançou o Plano Cruzado, com o congelamento de preços, que, no início, fez grande sucesso. Tão grande que, inicialmente previsto para durar 60 dias, foi prorrogado "ad aeternum" por inebriados políticos e pelos condutores da economia. Quem tem pelo menos 30 anos se lembra do resultado: não foi possível manter o congelamento, por causa do aumento de demanda, e o Cruzado se esfacelou.
Em 1997, com o Plano Real de vento em popa, começou a haver uma grande polêmica sobre a política cambial do governo. A âncora cambial, corretamente utilizada no início para quebrar a inércia da inflação, precisava ser levantada, porque segurava demais as exportações e impedia o equilíbrio das contas externas. Mas o Banco Central e a equipe econômica continuaram intransigentes e mantiveram o real valorizado. Quem tem mais de 20 anos se lembra bem do resultado: terminadas as eleições que reconduziram Fernando Henrique Cardoso à Presidência, o governo foi obrigado a fazer uma traumática desvalorização cambial, em janeiro de 1999. Algumas empresas com dívida em dólares, que acreditavam na manutenção do câmbio, quebraram.
Mudemos o foco para a Argentina. O governo Menem, sob inspiração de Domingo Cavallo, adotou a paridade fixa do peso em relação ao dólar, à base de um para um. Com o objetivo de dar mais credibilidade à política, colocou esse engessamento cambial na Constituição. Todos se lembram do resultado, porque ele é muito recente: no início de 2001, depois de anos seguidos de recessão, a Argentina foi levada ao desastre econômico, político e institucional, incluindo a renúncia do presidente constitucionalmente eleito.
Esses três momentos têm em comum uma coisa: em todos, esqueceu-se do ditado latino "virtus in medium". O congelamento do Cruzado, naquele momento de hiperinflação, era correto. O erro foi tentar prolongar demais uma medida heterodoxa e de força, que deveria ter sido seguida por outras mais ortodoxas, de política fiscal e monetária. A âncora cambial do Real também foi necessária em 1994 para segurar a inflação no início do plano, mas esticou-se demais a corda, até que ela arrebentou. O Plano Cavallo igualmente foi benéfico à Argentina, produziu anos de grande crescimento econômico no início da década de 90, mas jamais a dolarização poderia ter sido endeusada e prolongada por uma década.
A virtude da moderação vale para tudo. Na política, o próprio Partido dos Trabalhadores, que disputou quatro eleições até chegar ao poder, descobriu com o tempo que a radicalização é perniciosa. Lula só foi eleito presidente da República quando moderou suas posições.
Na área econômica, o governo peca pela radicalização. Recebe pacientemente conselhos e sugestões, mas tudo o que escuta entra por um ouvido e sai por outro. Mantém-se intransigente em posições ortodoxas.
Não era necessária a decisão do Conselho Monetário Nacional, tomada na semana passada, que manteve a meta de inflação em 4,5% em 2005. Se a meta tivesse sido mantida em 5,5%, como propunha o senador Aloizio Mercadante, haveria mais espaço para a redução de juros e o crescimento econômico, sem nenhum efeito inflacionário importante. Radicalizou-se, portanto, desnecessariamente. A meta de 2006, fixada em 4,5%, também foi mais apertada, porque a tolerância foi reduzida de 2,5 pontos percentuais para 2 pontos.
A marca do radicalismo ortodoxo está também nas políticas fiscal e monetária. Num momento em que se exige moderação -vide comportamento do presidente do banco central americano, Alan Greenspan-, perpetua-se desnecessariamente uma absurda taxa básica de juro em nível real entre 9% e 10% e mantém-se a TJLP, importantíssima para estimular investimentos, em 9,75% ao ano. O nível de 8%, como sugere o presidente do BNDES, Carlos Lessa, seria mais adequado.
Na política fiscal, insiste-se em um superávit de quase 5% do PIB, um exagero que nada tem a ver com responsabilidade fiscal, enquanto a carga tributária bate em 40% do PIB e esfola a atividade produtiva.
Nenhuma economia pode crescer de forma continuada com tamanho esforço fiscal e tributário. O ideal, para quem acredita na virtude da moderação, é perseguir objetivos de forma tranqüila, sem políticas radicais, para permitir que a economia cresça e o país gere empregos. A insistência no radicalismo pode nos levar, em poucos anos, a traumas parecidos com os descritos acima, abrindo portas para o surgimento de "salvadores da pátria" munidos de um arsenal de medidas perigosamente populistas.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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