São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Legião estrangeira

No BC também temos uma "legião estrangeira", pior que a seleção, sempre afundando as esperanças do país

A INSINUAÇÃO pode ser muito mais eficaz do que a afirmação pura e simples. A ironia, a indireta e recursos assemelhados tendem a criar uma cumplicidade com quem escuta ou lê.
Ou não? Nem sempre dá certo. Na quinta-feira passada, tentei usar a Copa do Mundo para insinuar algumas considerações sobre arte e política. Alguma dúvida? De quem era a epígrafe escolhida para o artigo?
Fernando Pessoa, ora. Difícil imaginar alguém menos ligado a futebol. Mesmo assim, alguns leitores condenaram a minha incursão futebolística. Queriam discutir se o árbitro havia ou não favorecido o Brasil, se o nosso time merecera ou não a goleada contra Gana etc. Outros recomendaram que eu não me afastasse da economia e da política...
Paciência. Vou insistir no assunto um pouco mais. Ainda não estou em condições emocionais ou psicológicas de escrever, com vontade e garra, sobre juros, câmbio, PIB, comércio exterior etc.
Todos os brasileiros (até a quinta-coluna) estão traumatizados. A derrota de sábado contra a França foi, talvez, o pior momento da história do futebol brasileiro. Pior do que a derrota para a própria França em 1998, pelo placar mais dilatado de 3 a 0. Em 1998, ainda podíamos levantar hipóteses, apontar circunstâncias anormais, criar uma CPI para investigar uma partida meio estranha. Agora, não. O "placar moral" foi, no mínimo, 3 a 0 para a França.
Podemos dizer da derrota de sábado o que Churchill disse do vergonhoso acordo de Munique em que a Inglaterra e a França entregaram a sua aliada, a Tchecoslováquia, sem luta, à Alemanha nazista: "We have sustained a total and unmitigated defeat" ("Nós sofremos uma derrota total e consumada").
Falo em Churchill e ocorre-me dizer que, em determinado momento, tive a nítida sensação de que a Inglaterra seria eliminada da Copa. Foi quando o seu técnico, um sueco, muito criticado por não saber inspirar os jogadores, declarou na véspera da partida fatal contra Portugal:
"Serei o que sempre tenho sido. Não vou ler Winston Churchill hoje à noite nem tentarei ser ele". Ora, o que é a equipe da Inglaterra sem Churchill, sem Império, sem esquadra naval? Sem isso, a Inglaterra não passa de um Bonsucesso, como dizia Nelson Rodrigues, referindo-se à seleção inglesa campeã do mundo em 1966 (campeã jogando em casa e no apito, lembre-se de passagem). Para as quartas-de-final de uma Copa do Mundo, a Inglaterra teria que entrar em campo com Churchill, almirante Nelson, Wellington, a rainha Vitória, o diabo.
Mas suecos e outros nada entendem de tradição imperial. Com isso, volto ao Brasil. O nosso problema, já sabemos, é a tradição colonial, que sobrevive mais ou menos intacta, como uma espécie de lodo inerte, no fundo do nosso subconsciente. Por isso, dizia Nelson Rodrigues, brasileiro não pode viajar. Quando desembarca na Europa ou nos Estados Unidos, cai de quatro e não levanta mais. Declara-se colônia, imediatamente.
Ora, os titulares da seleção brasileira de 2006 eram todos expatriados, pertencentes a times europeus.
Logo depois do jogo contra a França, Armando Nogueira bradou indignado: "A seleção brasileira jogou com a frieza e a indiferença dos apátridas". Perfeito. Não era uma seleção nacional, mas uma legião estrangeira. Um grupo de estrelas "globalizadas", sem heroísmo, sem espírito de luta. Houve algumas exceções importantes, principalmente na defesa, mas predominaram o deslumbramento, a apatia e a inércia.
Em certo sentido, esses astros do futebol são a imagem perfeita das elites brasileiras, "globalizadas" e antinacionais, a imagem dos "brasileiros estrangeiros" que vêm desgovernando o Brasil há tanto tempo, especialmente na área econômico-financeira. Nas mãos desse tipo de gente, que joga para o empate, ou para ganhar de pouco, nem a seleção nem o país passam das quartas-de-final. A economia brasileira não passa nem das eliminatórias.
Um talento como o técnico Carlos Alberto Parreira não pode ser desperdiçado. Agora que ele ficou sem emprego, quem sabe não seria o caso de nomeá-lo para a diretoria do Banco Central? Lá também temos uma "legião estrangeira", bem menos talentosa do que a seleção de futebol, que joga feio, na retranca, bate uma bola superquadrada e está sempre afundando as esperanças do país.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
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