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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Legião estrangeira
No BC também temos uma
"legião estrangeira", pior que
a seleção, sempre afundando
as esperanças do país
A INSINUAÇÃO pode ser muito
mais eficaz do que a afirmação pura e simples. A ironia, a
indireta e recursos assemelhados
tendem a criar uma cumplicidade
com quem escuta ou lê.
Ou não? Nem sempre dá certo. Na
quinta-feira passada, tentei usar a
Copa do Mundo para insinuar algumas considerações sobre arte e política. Alguma dúvida? De quem era a
epígrafe escolhida para o artigo?
Fernando Pessoa, ora. Difícil imaginar alguém menos ligado a futebol.
Mesmo assim, alguns leitores condenaram a minha incursão futebolística. Queriam discutir se o árbitro
havia ou não favorecido o Brasil, se o
nosso time merecera ou não a goleada contra Gana etc. Outros recomendaram que eu não me afastasse
da economia e da política...
Paciência. Vou insistir no assunto
um pouco mais. Ainda não estou em
condições emocionais ou psicológicas de escrever, com vontade e garra,
sobre juros, câmbio, PIB, comércio
exterior etc.
Todos os brasileiros (até a quinta-coluna) estão traumatizados. A derrota de sábado contra a França foi,
talvez, o pior momento da história
do futebol brasileiro. Pior do que a
derrota para a própria França em
1998, pelo placar mais dilatado de 3 a
0. Em 1998, ainda podíamos levantar hipóteses, apontar circunstâncias anormais, criar uma CPI para
investigar uma partida meio estranha. Agora, não. O "placar moral"
foi, no mínimo, 3 a 0 para a França.
Podemos dizer da derrota de sábado
o que Churchill disse do vergonhoso
acordo de Munique em que a Inglaterra e a França entregaram a sua
aliada, a Tchecoslováquia, sem luta,
à Alemanha nazista: "We have sustained a total and unmitigated defeat" ("Nós sofremos uma derrota
total e consumada").
Falo em Churchill e ocorre-me dizer que, em determinado momento,
tive a nítida sensação de que a Inglaterra seria eliminada da Copa. Foi
quando o seu técnico, um sueco,
muito criticado por não saber inspirar os jogadores, declarou na véspera da partida fatal contra Portugal:
"Serei o que sempre tenho sido. Não
vou ler Winston Churchill hoje à
noite nem tentarei ser ele". Ora, o
que é a equipe da Inglaterra sem
Churchill, sem Império, sem esquadra naval? Sem isso, a Inglaterra não
passa de um Bonsucesso, como dizia
Nelson Rodrigues, referindo-se à seleção inglesa campeã do mundo em
1966 (campeã jogando em casa e no
apito, lembre-se de passagem). Para
as quartas-de-final de uma Copa do
Mundo, a Inglaterra teria que entrar
em campo com Churchill, almirante
Nelson, Wellington, a rainha Vitória, o diabo.
Mas suecos e outros nada entendem de tradição imperial. Com isso,
volto ao Brasil. O nosso problema, já
sabemos, é a tradição colonial, que
sobrevive mais ou menos intacta,
como uma espécie de lodo inerte, no
fundo do nosso subconsciente. Por
isso, dizia Nelson Rodrigues, brasileiro não pode viajar. Quando desembarca na Europa ou nos Estados
Unidos, cai de quatro e não levanta
mais. Declara-se colônia, imediatamente.
Ora, os titulares da seleção brasileira de 2006 eram todos expatriados, pertencentes a times europeus.
Logo depois do jogo contra a França,
Armando Nogueira bradou indignado: "A seleção brasileira jogou com a
frieza e a indiferença dos apátridas".
Perfeito. Não era uma seleção nacional, mas uma legião estrangeira. Um
grupo de estrelas "globalizadas",
sem heroísmo, sem espírito de luta.
Houve algumas exceções importantes, principalmente na defesa, mas
predominaram o deslumbramento,
a apatia e a inércia.
Em certo sentido, esses astros do
futebol são a imagem perfeita das
elites brasileiras, "globalizadas" e
antinacionais, a imagem dos "brasileiros estrangeiros" que vêm desgovernando o Brasil há tanto tempo,
especialmente na área econômico-financeira. Nas mãos desse tipo de
gente, que joga para o empate, ou para ganhar de pouco, nem a seleção
nem o país passam das quartas-de-final. A economia brasileira não passa nem das eliminatórias.
Um talento como o técnico Carlos
Alberto Parreira não pode ser desperdiçado. Agora que ele ficou sem
emprego, quem sabe não seria o caso de nomeá-lo para a diretoria do
Banco Central? Lá também temos
uma "legião estrangeira", bem menos talentosa do que a seleção de futebol, que joga feio, na retranca, bate
uma bola superquadrada e está sempre afundando as esperanças do
país.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
@ - pnbjr@attglobal.net
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