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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

O câmbio, a física e o boné do MST

Nos últimos anos, a física passou a ser utilizada como método para a análise dos fenômenos econômicos. As relações com a física surgiram a partir da constatação de que não havia na economia a previsibilidade e o rigor que o uso da matemática pressupõe.
Um dos conceitos relevantes da física, adaptado ao mercado, é o do "overshooting". São os movimentos de alta e baixa de ativos que vão muito além do ponto de equilíbrio, para depois retornar.
Uma mola comprimida e depois solta tende a se estender muito além da sua posição de equilíbrio, a menos que haja atrito dificultando o salto. Se se deixa o câmbio comprimir além da sua posição de equilíbrio, na volta ele dá um salto tanto maior quanto menor o atrito a que ele for submetido.
O que pode ser o atrito no câmbio? Certamente boas informações, boas análises e uma ação propositiva do BC. Quando deixou o câmbio apreciar, por conta do afluxo de capital especulativo, e afirmou que o mercado é quem decide, que câmbio apreciado é sinal de confiança na política econômica e que câmbio não é problema do BC, o banco eliminou todos os elementos de atrito, essenciais para impedir a compressão brusca e a posterior descompressão brusca do câmbio.
Por trás de toda essa mixórdia, está essa posição do economista de planilha de não querer "macular" o modelito de Ilan com intervenções no mercado. A Rússia tem câmbio flexível, mas com US$ 60 bilhões de reservas; a Coréia do Sul, US$ 150 bilhões, a China, US$ 300 bilhões, e o Japão, US$ 500 bilhões. Os economistas de planilha do BC pretendem o câmbio flexível com zero de reservas. E a culpa pela volatilidade cambial é do boné do MST!
George Soros, o guru de Armínio Fraga, costumava dizer que a instabilidade é intrínseca aos mercados. O complicado é quando as percepções disparam sinais que acabam interferindo na realidade.
Dois exemplos? Na gestão Gustavo Franco, queimaram-se reservas cambiais e montou-se enorme dívida pública para sustentar o câmbio e as expectativas. Veio a crise fiscal, que disparou as expectativas.
Na gestão Armínio, para não vender reservas, vendeu-se dívida dolarizada. O que era expectativa cambial virou crise fiscal, que alimentou as expectativas.
Agora, depois de se queimar em sua prova de fogo, é hora de cair a ficha do governo Lula e mudar o rumo da política econômica. O primeiro desafio é cortar essa correia de transmissão entre o mercado e a realidade, garantindo um câmbio que permita preservar os superávits comerciais atuais e engordar as reservas cambiais. Com reservas robustas e menos dependência do capital especulativo, sempre será possível interromper essa volatilidade cambial que impede o país de crescer.
E parem de ouvir esses analistas fast food! Que se caia logo a ficha do governo, como caiu a da parte mais consistente da mídia, que eles se limitam a repetir bordões. Todo dia é possível levantar cinco razões para explicar a alta ou a queda do dólar. O que eles fazem é apenas isso. Subiu? Apresentam a lista de razões para a alta. Caiu? A lista para a queda. E viram gurus...

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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