São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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Luciano Coutinho

Subdesenvolvimento institucional


O sistema político brasileiro funciona muito mais como meio para acessar, ocupar e predar o Estado

O SUBDESENVOLVIMENTO institucional brasileiro, em quase todas as esferas, é certamente um dos grandes entraves ao desenvolvimento econômico do país. O déficit mais grave, evidenciado neste momento de "sanguessugas", está no apodrecimento do sistema de representação político-partidário.
Cheio de regras licenciosas que facilitam o tráfico de interesses privados e pessoais, o sistema político brasileiro funciona muito mais como meio para acessar, ocupar e predar o Estado -sendo relegadas a segundo plano as funções nobres de representação dos interesses sociais e de implementação autêntica do interesse público.
Esse estado de coisas inviabiliza o aperfeiçoamento institucional em muitas outras esferas: dificulta sobremodo a qualidade da gestão fiscal, distorce a racionalidade da alocação dos recursos orçamentários e entrava a melhoria da eficiência dos sistemas públicos. A degradação moral do Poder Legislativo reduz a potência dos controles democráticos e induz, pela sensação de impunidade, a disseminação da corrupção dentro do Judiciário e do Executivo. Numa sociedade muito desigual e desencantada, pois que acumula um enorme exército de subempregados depois de duas décadas e meia de crescimento pífio, esse estado de apodrecimento incita o "locupletemo-nos todos" e instiga a transgressão generalizada das leis, dos princípios e dos valores morais.
Insufla-se, assim, a barbárie. A partir da recente superação da vulnerabilidade externa da economia brasileira, talvez possamos iniciar um ciclo de crescimento sustentado se avanços institucionais e reformas forem empreendidos no sentido de robustecer a capacidade pública de poupança e investimento, com aperfeiçoamento simultâneo da regulação, do planejamento e da gestão estatal, de modo a se concretizar uma expansão firme dos investimentos (públicos e privados) nos próximos anos. Mas, sob um quadro de degradação da ética pública, dificilmente se materializarão esses progressos institucionais imprescindíveis à construção de um Estado minimamente eficiente, que possa infundir confiança e segurança.
Por isso, a retomada do desenvolvimento econômico não se resume à melhoria da qualidade da política macroeconômica, sem que se concretizem outros avanços qualitativos na arquitetura e nas regras do sistema político de modo a minimizar a sua vulnerabilidade ao vírus da corrupção. Por isso, prioridade e urgência deveriam ser dadas à reforma política para melhorar a qualidade e a representatividade parlamentar, reforçar os partidos e seus programas, ampliar o financiamento público, instituir regras de fidelidade partidária e disciplinar os gastos nas campanhas eleitorais.
Mais além, o amadurecimento institucional do Estado de Direito requer desenvolvimento cultural e educacional, fortalecimento da cidadania com inclusão dos excluídos (e.g. reforma agrária, habitação social, saneamento, saúde) e exige um grande esforço de restauração do respeito à lei, com provimento eficiente de justiça e de segurança pública.
LUCIANO COUTINHO, 59, é professor convidado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp) e consultor.


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