São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

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MARCOS CINTRA

O pior dos mundos


A oposição deu boa desculpa ao governo para justificar a sua incompetência na gestão dos serviços públicos

NUM ATAQUE de "delirium juvenilis" (não sei se isso existe), a oposição resolveu mostrar que é macha... e deu no que deu.
Após a peça orçamentária para 2008 estar negociada no Congresso, cortou subitamente R$ 40 bilhões da CPMF, que representam quase 8,5% da receita federal e praticamente a metade dos gastos discricionários da União. Uma barbárie desse tipo jamais foi praticada pela oposição, nem mesmo nos tempos mais raivosos do PT na oposição.
A realidade é que não se pode cortar na carne do orçamento público e ficar impune. Outros impostos serão aumentados (vide IOF e CSLL) e, pior, o déficit público poderá aumentar (o que se espera não venha a ocorrer, mas poderá ser inevitável).
Apesar de a CPMF ser um bom imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é rejeitada por 75% da população. A oposição poderia capitalizar politicamente aceitando a prorrogação (o que seria bom para o país) e, sob protestos, culpar o governo pela "odiosa" prorrogação do tributo. Mas preferiu se entrincheirar heroicamente em praça pública. Colheu uma autêntica vitória de Pirro.
O governo poderá agora, com a maior desfaçatez, adotar medidas que não ousaria praticar até o fatídico 13 de dezembro e jogar tudo no colo da valente oposição, que agora diz se sentir "traída".
A teoria de que a única maneira de reduzir a carga tributária é cortar o suprimento de oxigênio do orçamento público é ingênua e revela desconhecimento da máquina governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são assimétricos quando vão em direções opostas. Chamam isso de "ratchet effect", ou efeito anzol. Por exemplo, a velocidade e a fluidez no aumento de gastos são sempre mais suaves do que na redução, sempre marcada por atritos e resistências.
Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de gastos exige mais do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os gastos continuarão a serem feitos; exige trabalho penoso, persistente, para fazer a própria população entender que o governo não é a solução de todos os seus problemas. A maioria é contra impostos, mas não se cansa de exigir mais serviços do poder público. É correto lutar com unhas e dentes contra o aumento de impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra a MP 232. Mas outra coisa totalmente diferente é decepar do orçamento público pedaços inteiros já comprometidos, como aconteceu com a CPMF.
A culpa é da oposição, dirá o governo, que agora, cândida e inocentemente, pode adotar medidas como violar abertamente o sigilo fiscal e pessoal dos brasileiros, ao seqüestrar suas movimentações bancárias e seus extratos de cartões de créditos (o que já foi feito), aumentar impostos por decreto (o que também já fez), punir bancos e comerciantes com elevações no custo do crédito (idem) e jogar água fria nas expectativas de manutenção do superávit primário e na obtenção do grau de investimento, que já está deixando de orelha em pé as agências de avaliação de risco.
A oposição conseguiu o pior dos mundos. Não vai reduzir a carga tributária, deu de bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos serviços públicos e perdeu de vez a legitimidade para negociar desonerações tributárias (como a desoneração da folha de salários), a reforma tributária e mais recursos para áreas essenciais (como a saúde) que haviam sido arrancadas do governo a fórceps na discussão da CPMF.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org

mcintra@marcoscintra.org


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