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MARCOS CINTRA
O pior dos mundos
A oposição deu boa desculpa ao governo para justificar a sua incompetência na gestão dos serviços públicos
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NUM ATAQUE de "delirium juvenilis" (não sei se isso existe), a oposição resolveu mostrar que é macha... e deu no que deu.
Após a peça orçamentária para
2008 estar negociada no Congresso,
cortou subitamente R$ 40 bilhões
da CPMF, que representam quase
8,5% da receita federal e praticamente a metade dos gastos discricionários da União. Uma barbárie
desse tipo jamais foi praticada pela
oposição, nem mesmo nos tempos
mais raivosos do PT na oposição.
A realidade é que não se pode cortar na carne do orçamento público e
ficar impune. Outros impostos serão aumentados (vide IOF e CSLL)
e, pior, o déficit público poderá aumentar (o que se espera não venha a
ocorrer, mas poderá ser inevitável).
Apesar de a CPMF ser um bom
imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é rejeitada por
75% da população. A oposição poderia capitalizar politicamente aceitando a prorrogação (o que seria
bom para o país) e, sob protestos,
culpar o governo pela "odiosa" prorrogação do tributo. Mas preferiu se
entrincheirar heroicamente em
praça pública. Colheu uma autêntica vitória de Pirro.
O governo poderá agora, com a
maior desfaçatez, adotar medidas
que não ousaria praticar até o fatídico 13 de dezembro e jogar tudo no
colo da valente oposição, que agora
diz se sentir "traída".
A teoria de que a única maneira de
reduzir a carga tributária é cortar o
suprimento de oxigênio do orçamento público é ingênua e revela
desconhecimento da máquina governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são assimétricos quando vão em direções
opostas. Chamam isso de "ratchet
effect", ou efeito anzol. Por exemplo,
a velocidade e a fluidez no aumento
de gastos são sempre mais suaves do
que na redução, sempre marcada
por atritos e resistências.
Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de
gastos exige mais do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os
gastos continuarão a serem feitos;
exige trabalho penoso, persistente,
para fazer a própria população entender que o governo não é a solução
de todos os seus problemas. A maioria é contra impostos, mas não se
cansa de exigir mais serviços do poder público. É correto lutar com
unhas e dentes contra o aumento de
impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra a MP 232.
Mas outra coisa totalmente diferente é decepar do orçamento público
pedaços inteiros já comprometidos,
como aconteceu com a CPMF.
A culpa é da oposição, dirá o governo, que agora, cândida e inocentemente, pode adotar medidas como
violar abertamente o sigilo fiscal e
pessoal dos brasileiros, ao seqüestrar suas movimentações bancárias
e seus extratos de cartões de créditos (o que já foi feito), aumentar impostos por decreto (o que também já fez), punir bancos e comerciantes
com elevações no custo do crédito
(idem) e jogar água fria nas expectativas de manutenção do superávit
primário e na obtenção do grau de
investimento, que já está deixando
de orelha em pé as agências de avaliação de risco.
A oposição conseguiu o pior dos
mundos. Não vai reduzir a carga tributária, deu de bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos
serviços públicos e perdeu de vez a
legitimidade para negociar desonerações tributárias (como a desoneração da folha de salários), a reforma
tributária e mais recursos para áreas
essenciais (como a saúde) que haviam sido arrancadas do governo a
fórceps na discussão da CPMF.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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