São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALBERT FISHLOW

St. Valentine's Day


Talvez restem momentos, em meio às festividades, para que Brasil e EUA reflitam sobre o relacionamento bilateral


DENTRO DE uma semana, por pelo menos algumas horas, a população dos EUA terá a oportunidade de ignorar os muitos problemas do mundo e concentrar suas atenções em presentear os seres amados. No Brasil, em contraste, o Dia dos Namorados só acontece em 12 de junho, em companhia da festa junina dedicada a santo Antônio.
Essa pequena divergência nas celebrações ganha dimensões um pouco maiores no atual relacionamento bilateral entre os países. A situação avançou em direção oposta às expectativas otimistas surgidas quando do primeiro encontro entre Obama e Lula, na Casa Branca, em março do ano passado, um momento de "maravilhosa convergência de ideias".
A falta de progresso nas negociações da Rodada Doha, as fortes divergências de política quanto a Honduras depois da derrubada do presidente Zelaya, as contradições pós-Copenhague quanto ao teor exato do acordo atingido, a visita do presidente iraniano Ahmadinejad e, mais recentemente, a decisão de adquirir novos jatos de caça da Dassault, da França, e não da Lockheed, dos EUA, representam, somadas, um relacionamento que enfrenta problemas.
O Brasil está buscando ativamente o apoio dos demais Brics -e o S agora se refere não ao plural, mas à África do Sul. Vai acontecer uma reunião entre os líderes dos Brics em Brasília, em 16 de abril, e no dia anterior um encontro entre o líder brasileiro e seus colegas da África do Sul e da Índia. Eles pretendem conversar sobre a cooperação econômica financeira e os elos mais estreitos no futuro.
Mas, se excetuarmos a importância crescente de que compartilham, os pontos em comum entre esses países rapidamente escasseiam. Na Rodada Doha, em 2008, a Índia, preocupada com seus pequenos agricultores, divergiu do foco brasileiro, a exportação de produtos agrícolas. Índia e China têm Forças Armadas impressionantes e um conflito na região fronteiriça de Arunchal Pradesh, onde ambos os países mantêm tropas estacionadas. O comércio entre elas é relativamente pequeno, e o mesmo se aplica ao comércio entre o Brasil e todas essas nações, exceto a China.
A despeito do rápido crescimento dos últimos anos -que levou a China a superar os EUA na condição de principal parceira no comércio bilateral-, existe clara preocupação no Brasil quanto à taxa de câmbio chinesa subvalorizada e o interesse claro do país em avançar escala acima na competição pelas exportações de bens industriais. A Rússia encara a China com cautela, e a África do Sul mantém elos comerciais estreitos com a União Europeia. A China é explícita em sua desconsideração aos princípios democráticos.
O que os Brics têm em comum é a avidez por mostrar que os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão já não são tão importantes quanto no passado. A maré econômica dessas nações vem subindo rapidamente e elas querem estender o fenômeno ao campo político. O problema é que, excetuada a meta de atribuir assentos permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas ao Brasil, à Índia e à África do Sul, não existe uma orientação clara quanto aos desdobramentos posteriores. A condição de superpotência da China serve como contrapeso.
No domingo que vem, Carnaval no Brasil, acontece o St. Valentine's Day nos Estados Unidos. Talvez restem alguns momentos, em meio às festividades, para que o Itamaraty e o Departamento de Estado dediquem alguma reflexão ao relacionamento bilateral entre seus países. Os resultados podem ser positivos, e não apenas no hemisfério que ambas as nações dividem.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

ALBERT FISHLOW , 74, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

afishlow@uol.com.br

Texto Anterior: Ministro nega apagão e diz que custo no Brasil é "europeu"
Próximo Texto: Crise da dívida é o 1º grande teste do euro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.