São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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LUíS NASSIF

As políticas oportunistas

Lembro-me, na adolescência, de um almoço em família com o marechal Juarez Távora, vulto da história, vice-rei do Nordeste na revolução de 30, candidato a presidente da República derrotado por JK.
Já bastante doente, seu organismo exigia dieta especial. Durante o almoço chegou um amigo da família, de uma cidade vizinha, entusiasmado com o "caráter" do seu prefeito. A cidade precisava de melhoramentos, que dependiam do Estado. O então governador de São Paulo, Ademar de Barros, avisou que só concederia se o prefeito fosse pessoalmente ao Palácio dos Campos Elíseos fazer sua solicitação. E o prefeito recusou, como "prova de caráter".
Sem tirar os olhos do prato, Juarez perguntou com voz mansa: "E esse orgulho foi útil para seu povo? Será que ele tinha o direito de prejudicar a sua cidade, apenas para se mostrar altivo? Se fosse comigo, eu iria".
Os ensinamentos de Juarez vêm a propósito dessa generalizada falta de espírito público que vem caracterizando os impasses entre governadores de oposição e governo federal. Há uma crise nacional, problemas comuns a todos os governantes -contas públicas em frangalhos-, a inevitabilidade de um novo acordo federativo e um contrato em vigor firmado por antigos governadores em nome de seus respectivos Estados.
Se um novo acordo é inevitável, pela própria queda da arrecadação fiscal, qual a lógica desse oportunismo político, de tentar caracterizar a reabertura de negociações como um recuo do presidente e uma vitória dos governadores?
O ato personalista de Itamar foi o principal empecilho colocado às negociações. O governador decretou a moratória dentro da mesma linha de oportunismo político e irrealismo negocial que caracterizou a moratória brasileira. Havia uma razão fundamental para conferir-lhe legitimidade: um Estado quebrado, sem condições de pagar seus compromissos. É argumento mais que relevante para reabrir as negociações. Em vez de utilizar esse trunfo para melhorar a situação de seu Estado, Itamar utilizou para melhorar apenas seu cacife político. Ao presidente, ceder naquele momento, naquelas circunstâncias, significaria jogar fora o último quinhão de governabilidade de que dispõe.
Agora, espera-se que, da parte da presidência e dos governadores, haja um mínimo de maturidade para superar os impasses e resolver problemas que, antes de ser deles, são do próprio país.
Nessa renegociação, não haverá como fugir de alguns princípios básicos.
Da parte da União, entender as limitações dos Estados e sua própria responsabilidade no crescimento das dívidas estaduais -em razão das políticas de juros adotadas e das liberalidades concedidas aos antigos governadores.
Da parte dos governadores, tem que haver compromissos rígidos em torno de novas metas fiscais factíveis.
O manifesto de Porto Alegre é um primor de alienação dos problemas. Tudo se resume a praticamente impor ao governo federal novos percentuais de comprometimento das receitas estaduais com o pagamento da dívida.
E do lado dos Estados, nada? Quais as metas de melhoria fiscal, de redução de despesas, de pagamento de passivos com venda de ativos públicos?
Independentemente da dívida mobiliária, Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm déficits orçamentários expressivos. A única maneira de garantir o pagamento, em caso de renegociação de dívida, é o saneamento fiscal do Estado. Não adiantam promessas genéricas de redução de despesas. Tem que se trazer compromissos explícitos e cláusulas leoninas que impeçam que a renegociação termine novamente em pizza. Nenhum Estado vai aceitar que Itamar renegocie as dívidas de seu Estado dando como única garantia seu topete.
De qualquer modo, a maneira como estão evoluindo todos esses problemas demonstra que o governo federal continua sem um plano de vôo, sendo permanentemente empurrado pelos fatos, sem conseguir se antecipar a nenhum.
FHC precisa acordar e dotar seu governo de capacidade operacional. Se não, ninguém segura esse rojão.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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