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LUíS NASSIF
As políticas oportunistas
Lembro-me, na adolescência,
de um almoço em família com o
marechal Juarez Távora, vulto
da história, vice-rei do Nordeste na revolução de 30, candidato a presidente da República
derrotado por JK.
Já bastante doente, seu organismo exigia dieta especial. Durante o almoço chegou um amigo da família, de uma cidade
vizinha, entusiasmado com o
"caráter" do seu prefeito. A cidade precisava de melhoramentos, que dependiam do Estado. O então governador de
São Paulo, Ademar de Barros,
avisou que só concederia se o
prefeito fosse pessoalmente ao
Palácio dos Campos Elíseos fazer sua solicitação. E o prefeito
recusou, como "prova de caráter".
Sem tirar os olhos do prato,
Juarez perguntou com voz
mansa: "E esse orgulho foi útil
para seu povo? Será que ele tinha o direito de prejudicar a
sua cidade, apenas para se mostrar altivo? Se fosse comigo, eu
iria".
Os ensinamentos de Juarez
vêm a propósito dessa generalizada falta de espírito público
que vem caracterizando os impasses entre governadores de
oposição e governo federal. Há
uma crise nacional, problemas
comuns a todos os governantes
-contas públicas em frangalhos-, a inevitabilidade de um
novo acordo federativo e um
contrato em vigor firmado por
antigos governadores em nome
de seus respectivos Estados.
Se um novo acordo é inevitável, pela própria queda da arrecadação fiscal, qual a lógica
desse oportunismo político, de
tentar caracterizar a reabertura de negociações como um recuo do presidente e uma vitória
dos governadores?
O ato personalista de Itamar
foi o principal empecilho colocado às negociações. O governador decretou a moratória
dentro da mesma linha de
oportunismo político e irrealismo negocial que caracterizou a
moratória brasileira. Havia
uma razão fundamental para
conferir-lhe legitimidade: um
Estado quebrado, sem condições de pagar seus compromissos. É argumento mais que relevante para reabrir as negociações. Em vez de utilizar esse
trunfo para melhorar a situação de seu Estado, Itamar utilizou para melhorar apenas seu
cacife político. Ao presidente,
ceder naquele momento, naquelas circunstâncias, significaria jogar fora o último quinhão de governabilidade de
que dispõe.
Agora, espera-se que, da parte
da presidência e dos governadores, haja um mínimo de maturidade para superar os impasses e resolver problemas que,
antes de ser deles, são do próprio país.
Nessa renegociação, não haverá como fugir de alguns princípios básicos.
Da parte da União, entender
as limitações dos Estados e sua
própria responsabilidade no
crescimento das dívidas estaduais -em razão das políticas
de juros adotadas e das liberalidades concedidas aos antigos
governadores.
Da parte dos governadores,
tem que haver compromissos rígidos em torno de novas metas
fiscais factíveis.
O manifesto de Porto Alegre é
um primor de alienação dos
problemas. Tudo se resume a
praticamente impor ao governo
federal novos percentuais de
comprometimento das receitas
estaduais com o pagamento da
dívida.
E do lado dos Estados, nada?
Quais as metas de melhoria fiscal, de redução de despesas, de
pagamento de passivos com
venda de ativos públicos?
Independentemente da dívida mobiliária, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul têm déficits
orçamentários expressivos. A
única maneira de garantir o
pagamento, em caso de renegociação de dívida, é o saneamento fiscal do Estado. Não adiantam promessas genéricas de redução de despesas. Tem que se
trazer compromissos explícitos
e cláusulas leoninas que impeçam que a renegociação termine novamente em pizza. Nenhum Estado vai aceitar que
Itamar renegocie as dívidas de
seu Estado dando como única
garantia seu topete.
De qualquer modo, a maneira
como estão evoluindo todos esses problemas demonstra que o
governo federal continua sem
um plano de vôo, sendo permanentemente empurrado pelos
fatos, sem conseguir se antecipar a nenhum.
FHC precisa acordar e dotar
seu governo de capacidade operacional. Se não, ninguém segura esse rojão.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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