São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice ENTREVISTA Ex-presidente do BC diz que o governo "desceu do muro' e optou pelo aprofundamento da política do FMI 'Governo deu uma guinada', afirma Gros
RICARDO GRINBAUM da Reportagem Local O anúncio das novas metas com o FMI e a nomeação do economista Armínio Fraga como presidente do Banco Central representam uma guinada na política econômica do governo. Na opinião do ex-presidente do Banco Central (BC) Francisco Gros, as novas medidas mostram que o governo fez uma opção clara: "Antes eu sentia que o governo tentava agradar a todos. Não queria desagradar ao Malan nem aos desenvolvimentistas. Hoje sei qual é a política econômica", diz Gros, que é diretor-executivo do banco Morgan Stanley Dean Witter. Gros foi o presidente do BC na gestão em que Fraga atuou como diretor de assuntos internacionais. Ele acha que sua nomeação para a presidência do BC representa um aprofundamento na política acertada com o FMI. Mesmo defendendo aprofundamento do ajuste fiscal, Gros critica as exigências do mercado financeiro. "As exigências dos investidores são inatingíveis", disse Gros, na seguinte entrevista que concedeu à Folha, por telefone, de Nova York: Folha - Como o sr. avalia as novas metas acertadas com o FMI? Francisco Gros - Na essência, não muda muita coisa nas metas, mas o novo acordo fortalece o ajuste fiscal. É possível cumprir os compromissos de cortes ainda maiores nos gastos. O discurso que não há mais onde cortar é apropriado para os tempos de normalidade. Mas estamos num momento de guerra. É preciso tomar medidas extremas. Se não der para fazer é porque caminhamos para uma crise muito grave, para o derretimento do país. Folha - Como o sr. avalia a nomeação do Armínio Fraga? Gros - Ao promover a mudança, o governo se definiu. Hoje sei qual é a política econômica do governo. Antes eu sentia que o governo estava tentando agradar a todos. Queria agradar ao FMI e ao mesmo tempo dizia que precisava baixar os juros e voltar a crescer. Não queria desagradar ao Malan nem aos desenvolvimentistas. Era como se quisesse fazer tudo ao mesmo tempo. Isso nunca dá certo. Folha - O que muda agora? Gros - O presidente teve coragem de fazer uma opção. Vai ser um tiroteio, vai perder popularidade. Mas quanto mais firme for na opção, mais rápido o país sai da crise, assim como ocorreu no México, na Coréia e na Tailândia. Folha - O que se deve esperar na política econômica daqui para a frente? Gros - Ao convocar alguém como Armínio Fraga para uma posição de importância como o BC, o presidente sinaliza que quer recuperar a credibilidade do país, por meio do aprofundamento do acordo com o FMI e com os países liderados pelos EUA. Sinaliza também que há um reconhecimento de que não temos muita margem de manobra e a saída será pelo aprofundamento do ajuste fiscal. Folha - É possível recuperar a credibilidade externa? Gros - É muito difícil. Mas temos que fazer o ajuste na economia independente de satisfazer os investidores. Não é porque o FMI está exigindo. Mas porque isso é essencial para a nossa sobrevivência. A alternativa é sair fora do mundo, dobrar à direita e ir para a África. Não vejo alternativas. Até porque acho que as exigências colocadas pelos investidores são inatingíveis. Folha - Quais as exigências? Gros - Primeiro eles diziam: vocês têm que fazer o acordo com o FMI. A gente fez. Aí disseram: agora têm que aprovar o ajuste fiscal no Congresso. A gente aprovou. Dizem agora que o ajuste no PIB não é suficiente, tem que fazer muito mais. Se a gente fizer, vão pedir ainda mais. Vão dizer: agora vocês reestruturam a dívida interna para pagar a externa. O próximo passo será pedir para dolarizar a economia, fazer um "currency board". É um jogo que não vai ter ganhador. Não pode ser por aí. Nós temos que consertar o país, para fazer o que queremos. Acabar com essa loucura. O Armínio tem um discurso antigo: o Estado brasileiro tem que ser reduzido a um tamanho em que ele possa caber dentro do PIB. E hoje não cabe dentro do nosso PIB. Então tem que reduzir o tamanho do Estado. Folha - O que o sr. acha da proposta de privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás? Gros - Se tiver que vender a Petrobrás ou o Banco do Brasil no afogadilho, então eu colocaria a privatização dessas estatais como uma daquelas exigências pouco razoáveis do chamado mercado. Não acredito na venda dessas empresas para tapar buraco fiscal. Mas acho que, como o mundo está cada vez mais competitivo, essas organizações estão estruturadas de uma maneira que não têm condições de competir. Estão ameaçadas e nós seremos chamados a fazer injeções de capital para repor as perdas. Deveríamos começar a prepará-las para serem privatizadas, mas não no modelo atual. O ideal seria fazer uma ampla pulverização das ações, mas isso não dá para fazer do dia para a noite. Folha - Como deveria ser? Gros - Não defendo o modelo Gazpron, a estatal de gás que a Rússia foi forçada a vender num momento de crise, a qualquer preço e no sufoco. A venda falhou três vezes e a privatização não adiantou nada para o problema russo. O modelo que defendo é o da estatal de petróleo da Argentina, a YPF. O governo pegou essa vaca sagrada da economia argentina, indicou um executivo de primeira linha e levou mais de um ano recuperando, saneando e reduzindo o tamanho da empresa. Depois, fez um lançamento de ações a nível global. Hoje, a YPF compete com grandes empresas como a Shell, a Esso, mas manteve a sede e capital na Argentina. Folha - Qual o principal risco para o Brasil? A volta da inflação? Gros - Os velhos fantasmas inflacionários estão rondando por aí. É preciso que o governo tenha muita firmeza na condução da política macroeconômica. Infelizmente, a curto prazo, isso exige a manutenção de política monetária dura. Folha - Corremos o risco de uma volta ao patamar de inflação que tivemos no passado? Gros - Acho muito difícil. Não temos mecanismos de realimentação automática da inflação. A economia não está indexada. O que pode ocorrer é uma desarrumação se os preços subirem muito a curto prazo e não baixarem em seguida. A batalha é deixar muito claro que qualquer tentativa de aumento de preço será enfrentada com os instrumentos que se têm. O principal deles é a política monetária. Folha - Existe espaço para manter os juros altos por muito tempo? Gros - É a velha história do remédio: em doses excessivas vira veneno. Por enquanto, é essencial manter os juros altos. Aliás, não sei mais se os juros estão altos. Antes a gente sabia porque a inflação era zero. Hoje, só vamos saber se os juros estão altos depois que se apurar qual foi a inflação do período. Folha - Qual a projeção que o sr. faz para a economia em 1999? Gros - A inflação deve ficar acima de 10% e abaixo de 20%. A taxa de câmbio disparou, recuou um pouco e pode subir novamente. Deve encontrar um ponto de equilíbrio perto de R$ 1,60 por US$ 1,00. A maioria dos analistas tem projetado queda entre 3 e 4 % do PIB. Teremos uma recessão severa, mas imediatamente vamos recomeçar a crescer. O modelo que temos que olhar é o da Coréia e o da Tailândia, que já se ajustaram e estão de novo na corrida. Folha - O sr. acha que o ritmo de recuperação será parecido com o desses países? Gros - Temos algumas desvantagens em relação a Coréia, mas temos a grande vantagem que não quebramos. Eles quebraram. Temos US$ 36 bilhões em reservas e um programa em andamento com o Fundo. Se conseguirmos ajustar os ponteiros, a possibilidade de recuperação é até melhor do que a dos países asiáticos. Folha - Pode haver moratória? Gros - Não consigo imaginar. Só acontece se o Brasil derreter. Os brasileiros detém R$ 330 bilhões em dívida interna. Se, de repente, ninguém mais acreditar no Brasil e achar que a "vaca foi pro brejo" aí vira uma profecia auto-realizável. Depende só da gente, não depende de estrangeiro nenhum. O Brasil não quebrou. Já estivemos em situações muito piores no passado e sempre soubemos enfrentá-las. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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