São Paulo, domingo, 07 de abril de 2002

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LUÍS NASSIF

As bandas feitas para dançar

Na semana passada escrevi sobre a Orquestra Tabajara e seu líder Severino Araújo, de longe a maior banda brasileira dos tempos modernos. Ousaria dizer de todos os tempos se tivesse informações suficientes sobre as orquestras de Fon Fon, Vicente Paiva e Custódio Mesquita.
De qualquer modo, a Tabajara foi o retrato mais fiel de um modelo interessantíssimo que tomou conta da música instrumental brasileira nos anos 50 e 60: as orquestras da era pós-Glenn Miller.
Os cassinos trouxeram a influência das "big bands" norte-americanas. Dos anos 50, no plano internacional sobressai um som mais edulcorado, de Ray Coniff e Percy Faith.
Mas as bandas dos anos 40 acabaram exercendo uma influência curiosa na América Latina, quando sua formação incorporou os ritmos latinos, especialmente a extraordinária influência de Cuba e, em segunda instância, do México.
O mambo e o cha-cha-cha dominaram os salões, especialmente nos anos 50. A influência vinha de Xavier Cugat, de Peres Prado, em cuja banda tocou meu amigo seu Luigi, que foi barman do Maksoud Plaza.
No Brasil a expressão máxima foi a Orquestra Tabajara. Foi um período rico em orquestras, como a do harpista Luiz Bordon, do saxofonista Moacir Silva, que se apresentava como "Bob Fleming", do grande Zé Menezes e seus "Velhinhos Transviados", e de formações provisórias usando nomes estrangeiros ou típicos, como "Violinos Ciganos" e correlatos. Naquele tempo era chique usar nomes cubanos ou mexicanos.

Danças
As danças de salão ainda predominavam, herdeiras da tradição dos cassinos.
Dentre os conjuntos feitos para dançar, dois se sobressaíram amplamente, o de Valdir Calmon, no Rio de Janeiro, e o de Silvio Mazzuca, em São Paulo.
Tenho a impressão de que, em nenhum outro período da história, se vendeu tanto música instrumental como naquele, em grande parte graças aos dois, mais Severino Araújo.
Valdir Calmon era pianista mineiro de Rio Novo, onde nasceu em 1982. Em 1936 seguiu para a Meca, Rio de Janeiro, com carta de apresentação para o flautista Benedito Lacerda.
No início da carreira tocou nas rádios Guanabara e Transmissora, e ajudou a divulgar as obras de Ataulfo Alves e Wilson Batista.
Desistiu da música quando a mãe morreu e foi servir no Batalhão de Guardas da Presidência da República na Segunda Guerra Mundial, tendo como companheiro de caserna Dick Farney. Voltou à música e a partir de 1944 integrou o elenco da rádio Globo.
Estreou em disco em 1951, justamente gravando boleros. Mas seu grande salto foi anos depois quando se mudou para as Emissoras Associadas e passou a participar de programas diários "feitos para dançar", com narração de Luiz Jatobá, o maior locutor brasileiro da história.

Recordes
De 1955 a 1967 a série "Feitos para Dançar", com seus solos de piano, bateu recordes de venda. O lançamento de 1957 vendeu cem mil exemplares.
Seu maior sucesso é o "Na Cadência do Samba", com Luiz Bandeira, que se tornou o hino do futebol brasileiro ao servir de abertura para o programa Canal 100, de Carlos Niemayer, o maior registro do futebol brasileiro do período.
Calmon faleceu em 1982.
A contraparte paulista da história é o pianista e arranjador Silvio Mazzucca, nascido em 1919, e que se notabilizou com sua série de discos "Bailes de Formatura", que ainda provocam suspiros saudosos nos marmanjos, tanto pelas músicas como pelas formandas.
Mazzucca é típico herdeiro da influência musical italiana do Bexiga, onde passou a infância. Em 1932 começou a atuar na Orquestra de Nicolino Leocatta, em um clube da Major Diogo. E também se inebriou com os ritmos cubanos.
Em 1938 ingressou na Tupi, atuando como solista de piano e, depois, tornando-se conhecido por seu vibrafone.
De 1950 a 1960 foi contratado exclusivo da rádio Bandeirantes, do inesquecível João Saad. E não houve som que o superasse em todo o interior do Estado de São Paulo.
Mazzucca está forte e rijo.

Transição
Peguei o final desse período. Na minha adolescência, nos bailes de interior a velha guarda do mambo jambo foi sendo gradativamente substituída por conjuntos como o Super Som TA, o 3 do Rio, o inigualável Modern Tropical Quintet, que tinha como crooner minha amiga Sara.
As velhas orquestras ainda sobrevivem aqui e ali. Tem o Maestro Duda de Recife, e a do saxofonista Ivanildo, que ainda vai me obrigar a ir a Maceió só para conhecê-lo.
Mas os sons comerciais das velhas orquestras, mesmo vistos meio de lado pelos puristas da época, ajudaram muito na sobrevivência e na modernização da música popular brasileira instrumental, a que antecede e amplia o alcance dos nossos "canários".

E-mail - lnassif@uol.com.br



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