São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Infra-estrutura, desafio de tirar o sono

BENJAMIN STEINBRUCH

Os candidatos a presidente da República que quiserem ter uma noite de insônia podem acessar o site da Confederação Nacional da Indústria (www.cni.org.br) e examinar o documento "A Indústria e o Brasil: Uma Agenda para o Crescimento". O trabalho apresenta a visão do setor industrial sobre temas prioritários que o país deve enfrentar para retomar um vigoroso crescimento econômico, sem o que não haverá paz social por aqui.
Qualquer um que chegar ao fim das 152 páginas do documento terá de concluir que não é fácil governar bem o Brasil. São enormes os desafios que esperam pelos próximos presidentes, mesmo tendo o país já alcançado a velha ambição nacional da estabilidade de preços.
Não pretendo me fixar nas propostas do documento. Quero apenas destacar um de seus capítulos, o que detalha a situação da infra-estrutura do país, praticamente destruída ao longo dos últimos anos por conta de políticas que impediram investimentos.
Excluídas as obras realizadas pela iniciativa privada, especialmente na área das telecomunicações, quase nada se fez na última década para produzir energia, construir e manter estradas e portos, bem como para expandir o saneamento básico. Em consequência desse descaso, segundo estimativa dos técnicos que elaboraram o trabalho da CNI, o presidente que tomará posse em 1º de janeiro de 2003 terá de investir cerca de R$ 140 bilhões em quatro anos se quiser superar o déficit hoje existente em matéria de infra-estrutura.
Essa cifra pode ser um pouco exagerada. Com a participação do setor privado, em alguns casos, é possível alcançar bons resultados sem tanta sangria de recursos públicos. De qualquer forma, ao viajar pelo país, qualquer leigo enxerga a deterioração nessa área.
Não temos ferrovias modernas, que seriam essenciais para o transporte barato de mercadorias num país continental. A malha existente é resultado da fusão de várias ferrovias antigas, muitas ainda do tempo do Império. Os trilhos cortam os morros em ziguezague e movimentam cargas precariamente, a uma velocidade média de tartaruga, de 15 km por hora, em comparação com 40 a 50 km em países como Canadá e Estados Unidos.
Mais de 60% de nossas rodovias pavimentadas estão em estado deficiente de conservação. Para sua recuperação, conservação e expansão serão necessários recursos da ordem de R$ 18 bilhões nos próximos quatro anos, mesmo tendo em conta a possibilidade de parcerias com a iniciativa privada. A solução via privatização, já ensaiada nas regiões mais ricas, tem imposto um pesado ônus ao transporte por causa do encarecimento dos pedágios. Em São Paulo, depois da privatização, o pedágio cobrado dos caminhões já aumentou 340%, com evidentes problemas para o custo do frete e para a competitividade dos produtos nacionais.
As hidrovias, num país cortado por milhares de rios, praticamente não existem. Apenas 1% da movimentação total de cargas se faz por esse meio. Os portos marítimos são ineficientes e caros. Debatem-se com elevados passivos trabalhistas e burocracia do processo aduaneiro.
Nossas companhias aéreas sofrem a concorrência predatória das rivais internacionais, operam com déficits monumentais e têm parcas perspectivas de recuperação devido à ineficiência, à tributação excessiva, à falta de capital e ao mercado escasso.
Na área da energia, tomamos um susto homérico com o racionamento do ano passado. Fomos salvos pela misericórdia de são Pedro. Depois que as chuvas vieram, adiaram-se programas emergenciais de termelétricas e outras fontes geradoras de energia elétrica. Um plano lançado em fevereiro de 2000, que previa a construção de 43 usinas térmicas até 2003, não saiu do papel. Para ficarmos livres de novos sobressaltos, segundo a estimativa da CNI, seria preciso investir R$ 55 bilhões em quatro anos.
O saneamento básico é uma calamidade nacional. A concessão de serviços à iniciativa privada, embora isso nem sempre represente solução, está parada porque falta uma definição legal sobre a titularidade das empresas de saneamento. Ou seja, não se sabe ainda se os donos desses serviços são os Estados ou os municípios, indefinição que obviamente impede a concessão da operação ao setor privado. Enquanto isso, não há investimentos no setor e 52% dos municípios permanecem sem serviço de coleta de esgoto, com reflexos diretos na mortalidade infantil e na saúde pública. Cerca de 65% das internações hospitalares de menores de dez anos decorrem de doenças causadas pela precariedade das condições do saneamento.
Se o próximo presidente da República quiser focar sua atuação no crescimento econômico, precisa desde já começar a perder o sono com os problemas da infra-estrutura. Não haverá um novo ciclo de expansão da economia sem maior geração de energia, sem recuperação das vias de transportes e sem aplicações maciças de recursos em saneamento. Tudo isso é básico para atrair os investimentos nacionais e estrangeiros que vão sustentar essa nova fase de crescimento, uma demanda legítima e incontestável da sociedade brasileira.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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